sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Bye, bye 2016


Ufa! Mais um ano se findando. Tenho a sensação de que o tempo tem corrido muito mais do que o normal, e ainda me lembro dos últimos minutos de 2015 e os primeiros instantes de 2016.
Creio que nenhum esotérico adivinhou que este ano seria tão tenso. Tragédias: aérea, terrestre e política - vivenciamos dias em que o povão continuou sendo colocado para escanteio, panelas bateram e quando era necessário que a voz da indignação ecoasse pelo país, o silencio tomou conta. Quando pensamos que todas as coisas negativas tinham acontecido, eis que surge algo para arrancar uma lágrima ou a tristeza de nós.
Neste país homofóbico, um senhor se preocupou em defender uma vítima que era espancada devido a sua orientação sexual e morreu. Seu Índio foi mais um brasileiro batalhador morto pela arrogância humana. O racismo e a intolerância religiosa continuaram fazendo vítimas e destruindo famílias. A violência rouba a paz de ir e vir tranquilamente pelas ruas das cidades. As tragédias no continente africano continuam invisíveis aos olhos do mundo. As guerras civis estão tirando do mapa cidades e pessoas. Ainda tem muita gente morrendo de fome, sede, dor e injustiça. Em 2016, muitos políticos escancararam suas facetas podres e perversas, fazendo questão de lembrar que o povo só serve para votar e nada mais. Um punhado de corruptos se reelegeram e outros tantos saíram ilesos de seus crimes.
Mas em meio a um ano conturbado, sempre teremos algum motivo para celebrar. Celebro a felicidade ao saber que existem pessoas que se preocupam com o próximo, que em vários lugares do país, os pais ensinam aos filhos que é necessário fazer o bem a alguém. Uma amiga me dizia hoje que ela ainda acredita que o bem é maioria porque se fosse o contrário, o mundo estaria pior. Somos essências deste planeta e devemos ser o melhor para alguém e para nós. Desejar boas energias, ser do bem e proliferar bons sentimentos ainda faz a diferença.
Mesmo sendo muito reclamona, mas nunca deixei de agradecer a vida pelas oportunidades de ter esbarrado em pessoas que me fizeram evoluir, me orientaram e mostraram de forma suave quão prazeroso é viver. Pude viajar e descobrir seres humanos tão belos e que não necessitam de tantos bens materiais para serem felizes. De todas as situações que enfrentamos, sempre é possível tirar um ensinamento.
Na virada do ano, vou fazer os mesmos pedidos que sempre faço há tanto tempo. Continuarei fazendo minha avaliação anual e fazendo planos para melhorar algumas coisinhas em mim e em minutos irei imaginar uma porção de coisas.
Cada um com sua superstição, crença e desejos e que possamos nos unir em orações ou pensamentos positivos em prol de um ano novo com muitos motivos para alegrarmos. Que possamos nos perdoar e perdoar os erros do próximo.
Que o amor seja o sentimento do momento, que a solidariedade e tolerância andem sempre ao nosso lado e possamos enfeitar o nosso interior com o melhor e mais simples da vida. Desejo a todos maturidade, boas energias, doçura, fé, bondade e um ano cheio de encantos e que a voz dos justos jamais se calem. À todos, feliz ano novo!
Su Ferraz

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A Espera do Natal




Para quem acha que cabelos cacheados não necessitam de cuidados, lamento informar, mas você está completamente enganado. Têm dias que os cachos estão super revolucionários e querem ocupar mais espaço do que o normal. Quando isso acontece tenho que ir ao salão, e meu cabelo estava em um desses dias de rebeldia, por isso tive necessidade de fazer uma visita a minha cabeleireira.
O salão de beleza é um espaço propício a reencontros, conversas, atualizações dos últimos acontecimentos na cidade. É um lugar em que pessoas são apresentadas àquelas que até então eram desconhecidas e muitas estórias surgem por ali.
De todas as pessoas que já vi naquele salão, uma senhora, creio que era uma cliente novata, chamou a minha atenção. Enquanto eu tomava um cafezinho e esperava a vez de ser atendida, a mulher que aparentava ter em torno dos seus quarenta anos, tirou o lenço laranja que cobria o cabelo e dizia desejar que ele fosse liso. O cabelo dela era crespo e ela o achava feio.
Uma cliente ressaltava a beleza dos cachos e tentava convencer a senhora a deixar o cabelo natural, mas dona Ana era irredutível e queria a escovinha. Era a primeira vez que ela passaria por este procedimento na vida e pensava que ao escovar os cabelos,seus fios sofreriam uma transformação e ficariam lisos para sempre. Ao ser avisada que este milagre não aconteceria, ela foi consultar o esposo que pensava igual a sua companheira. Foi um esforço para a cabeleireira explicar como seria o procedimento que iria realizar, e depois de muita conversa a escovinha começou a ser feita.
Essa senhora dizia que queria se arrumar para esperar uma filha que mora há oito anos em São Paulo e durante este período visitou a mãe apenas uma vez. Esta mulher tem sinais de sofrimento na face e era nítida a vergonha que sentia de seu próprio cabelo. Ainda existem pessoas que associam beleza aos cabelos lisos.
Dona Ana arrumou a casa e deseja estar bonita para receber sua filha. Uma jovem de dezenove anos e que há oito trabalha como empregada doméstica, ou como babá. Uma moça que não vivenciou a infância e juventude, porque tinha que trabalhar para prover seu sustento.
Analisando a conversa da senhora com outras clientes, fiquei pensando em quantas mães estão perfumando a casa e se arrumando para receber seus filhos. Muitas mãinhas são dominadas pelos padrões impostos pela sociedade que as fazem se acharem feias por não terem um cabelo liso. Quantas mãezonas estão tristes em seus quartos, nos asilos, recordando natais lindos que vivenciaram com suas famílias, e hoje a alegria foi substituída por uma tristeza que machuca demasiadamente.
O Natal é antecedido por rituais de preparação. Prepara-se o espírito, uma tinta para dar vida às paredes da casa, enfeites espalhados, estoque de gostosuras nos armários, lista de presentes, amigo oculto, nostalgias, entre outras coisas. Nunca fui fã dessa festa que está tão, tão, tão capitalista. Olhe a exclusão que existe; mesas super fartas e outras tantas o vazio toma conta. E nesses tempos de crise, fartura é uma palavra que não fará parte do Natal de muitos.
Fizeram do Natal a festa do ter. As crianças repletas de roupas e brinquedos precisam ter o último lançamento tecnológico do momento e passaram o ano, ou melhor, alguns meses, porque enjoaram rapidamente de seus brinquedos, isolados do universo, mexendo em joguinhos. Quantas crianças apáticas por aí, quantos pais que querem amenizar a ausência com presentes caros. E a cada novo ano uma geração de crianças tristes e fúteis vai surgindo. Uma geração de egoístas também.
Dona Ana escovou seu cabelo para ficar arrumada e esperar sua filha. Dona Dite, não tem esperança que um de seus seis filhos apareça no asilo para visitá-la e não faz questão de escovar o cabelo. Dona Guida, chora há meses porque seu filho foi assassinado e ela carrega a dor de não receber mais um abraço de Tonzinho, seu menino que um dia saiu de casa com uns colegas e nunca mais voltou.
Dona Ana tinha pouco dinheiro para se produzir e ficar bonitona para recepcionar a filha na rodoviária. Ela é mais uma mãe que passou muitos natais sozinha, e este ano, a festa será diferente. Não sei se sua mesa estará farta no dia 25, mas captei que seu coração está em festa porque uma parte de si estará ao seu lado.
Para cada pessoa o Natal tem uma essência. Eu não sou fã desta festa e tenho inúmeros motivos que não abordarei por aqui. Uma parcela enorme da humanidade está enfrentando problemas sérios. Tantas crianças esperam por uma migalha de pão e outras estão dando seu último suspiro neste instante. Quantas pessoas desejam ter um almoço decente, uma roupa limpa que possa ser usada. Quantos pais estão tristes, pois não tem dinheiro para colocar o básico na mesa e tenho certeza que muitos deles devem estar chorando, porque desejaram ter condição de comprar um presente para seus filhos e infelizmente não deu.
Que no dia do Natal, possamos florir a vida de alguém. Não somente nesta data, mas em qualquer dia, ajude alguém que necessita de um abraço, sorriso, colo, uma comida, roupa, esteja disposto a colaborar com a felicidade dessas pessoas que não conhecemos, mas que estão subjugados em cada canto da cidade, a fome, ao calor, a chuva, ao isolamento e a miséria.
Naquela tarde, dona Ana que não sabia o que era uma escovinha e que não gostou do que sua colega de salão disse, ao afirmar que cabelo cacheado era bonito, me fez pensar, repensar e questionar sobre os estereótipos e os efeitos da “magia” do Natal sobre as pessoas. Espero que ela e sua filha possam ter bons momentos juntas, e um dia, entenda que não é necessário esconder seus cabelos crespos dentro de lenços, porque a beleza consiste na autoaceitação e valorização de como e quem somos.

Suerlange Ferraz

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Os malucos beleza de Poções





“Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual
Eu do meu lado
Aprendendo a ser louco
Um maluco total
Na loucura real Controlando A minha maluquez
Misturada Com minha lucidez
Vou ficar
Ficar com certeza Maluco beleza
Eu vou ficar
Ficar com certeza Maluco beleza” (Raul Seixas)

Poções é habitada por muitas pessoas especiais que alegram a população com seus gestos e atitudes. Alguns tem o mistério como sobrenome, tornam-se atração por onde passam e fazem parte da memória dessa cidade. Quando criança ouvia muitas histórias sobre Paulina. Soube de sua existência porque minha mãe dizia o tempo todo que eu ficaria igual a Paulina, porque gostava de guardar muitos papéis em casa. As histórias dessa célebre moradora são famosas na cidade.
Os considerados loucos, problemáticos ou “malucos beleza”, carregam consigo uma bagagem repleta de histórias, alguns, creio eu, preferiram “esquecer o passado”, outros são livros ambulantes pelas ruas de Poções. Essas pessoas foram exclusas da sociedade e viviam ou vivem a mendigar um trocado, alimentos e um pouco de atenção. São indivíduos que ficaram invisíveis perante a sociedade, pois sua presença causa medo ou desconforto para os que os cercam.
Cada maluco beleza traz consigo histórias que não podem ser esquecidas. É preciso guardar as memórias dessa parcela da população que nos alegrou em diversos momentos, em outros, também nos assustou com o jeito de ser, de olhar ou falar. Cada um de nós tem um pouco de maluco beleza. Temos loucuras ocultas ou tão expressas em nossas faces. Sonhamos, às vezes conversamos sozinhos, fazemos alguém rir, temos lembranças, amores, família e uma vida que pode ser exemplo de encanto. Cada maluco beleza que por aqui passou, deixou recordações, talvez partiram sem saber da importância que tinham na cidade e continuam guardados na memória de muita gente.
Deveria existir alguma forma destes queridos malucos beleza serem homenageados pelas autoridades, ou que em projetos escolares, os alunos pudessem ter a oportunidade de conhecê-los. Em uma conversa com um amigo, Roberto Sampaio, ele teve a ideia de que algumas ruas da cidade fossem batizadas com os nomes de alguns “doidos” que se tornaram fontes históricas da cidade.
Dos malucos que eu conheci, destaco alguns que marcaram minha vida. Tico, o rezador, figura extrovertida que ainda encontro quando estou indo para o trabalho. Silvana, já não vive mais em Poções; Chico da saia, um homem que passava pelas ruas da cidade pedindo comida e usava uma saia, peça fundamental para a sua caracterização; Dió, um senhor que remendava suas próprias roupas; Tino, criatura que anda muito, figura alegre e que não perde uma missa.


Tico, o rezador
Trajando uma calça, um paletó, chapéu, sapatos, uma capanga nas costas, sacolas nos bolsos e sempre carregando seus ramos, surge nas ruas de Poções, Tico, o benzedor. Figura alegre e emblemática, faz suas orações sobre as pessoas. O problema é que fala numa rapidez, que é até complicado entender. Puxa várias ladainhas, que segundo ele, tem o poder de curar. Não sei ao certo quantos anos essa figura possui, mas sei que desde pequena o encontrava pelas ruas da cidade. Sempre tive curiosidade para saber o que ele esconde dentro daquele punhado de sacolas que carrega consigo. É o rezador mais carismático que eu conheço,um ser que está presente na memória de muitas gerações.

Silvana
Silvana tinha seu lugar cativo nas missas dominicais, ás vezes chegava cedo, outrora chegava com certo atraso, mas sempre procurava sentar mo mesmo lugar, próximo ao ambão. Lembro das inúmeras vezes em que ela tentava atrapalhar a leitura do evangelho que era feita por seu João, diácono e padrinho dela, para pedi-lhe a benção. Quando alguém sentava em seu lugar, era choro e confusão garantidos. Silvana carregava um embornal com a liturgia diária, que ela sempre dizia que era presente do seu amado padrinho. Também gostava de carregar uma bíblia. Ela tinha um cabelo curto, ficava mexendo no nariz e toda semana fazia parte dos dizimistas aniversariantes. Faz pouco tempo que soube da sua partida para São Paulo.

Chico da saia
Estatura mediana, marcas do mau cuidado estampadas no rosto, passos curtos, emitia a frase “Ei, me dá uma coisa aí”. Gostava de vagar pelas ruas e feira da cidade, além de gostar de usar saias, por isso ficou conhecido como Chico da saia. Usava camisetas e tinha algumas saias coloridas, já o vi de vestido, e quantas vezes eu ficava pensando o porquê dele não usar calças como todos os homens que conhecia. Já tive medo dele. Algumas vezes ele esquecia do passo lento e o víamos andando pelas ruas a passos largos e rápidos.
Quando alguém ria dele, ficava muito nervoso e em alguns momentos até enfrentava os zombadores. Ficava longos períodos sem passar pela rua onde moro, e quando achava que ele tinha sumido, eis que surge dando sacudidas no portão, ou gritando na janela. Chico era uma figura misteriosa que deixou saudades e muitas lembranças com sua partida.

Dió
Já era costume eu sair da missa a noite, dar uma volta pela praça, sentar no banco com uns amigos, ouvir as músicas da Voz do Gaivota, comer pipoca e atualizar os últimos fatos ocorridos na cidade. Ali, pela praça mesmo, via um senhor que ficava sempre nas portas das lojas ou em alguns momentos passava com um saco nas costas atravessando a rua. Nunca o vi pedindo esmolas. Tinha a roupa toda remendada e ele mesmo costurava as suas vestimentas. Dormia sempre em frente a uma daquelas casas comerciais e com um olhar distante acompanhava o movimento da cidade. Era Dió, um idoso que usava uma botina furada e tinha o céu como o teto da sua casa.

Neném
Negro, estatura média e uma voz marcante, na feira, na porta de alguns supermercados e nas missas. Neném adorava entoar seus cantos e soltar o vozeirão quando o silêncio tentava se fazer presente entre os fiéis. Homem de sorriso fácil, conhecia os hits do momento e foi acometido pelo vício do álcool. Viveu a vagar pelas ruas. Maluco beleza, que fez do canto (mesmo nas horas indevidas) sua arma para prender a atenção das pessoas.
Faz alguns meses que ele faleceu e seu canto deve estar ecoando em alguma dimensão deste vasto planeta.

Camarão
Baixo, pele clara, barbudinho, trabalha nas oficinas da vida, adora frequentar as missas e conversa gesticulando. Lembro-me que faz umas danças estranhas que diverte as pessoas. Abre os braços e com os punhos fechados balançao corpo de um lado para o outro. Sempre quer apertar as mãos de todos que estão na missa..

Tino
Negro, de estatura mediana, passos acelerados, gosta de conversar, mas pouco podemos entender. Sempre aparece na igreja, seja durante as missas ou enquanto ela se encontrar aberta. Adora uma camiseta do Flamengo e sempre distribui flores na igreja, nos deixando pensativos sobre como e onde encontra tantas.
Quando eu frequentava as missas, admirava o gesto nobre dele em levar uma moeda para ofertar, mas ele não entregava a moeda no momento do ofertório, sempre a deixava em cima do altar ou a confiava as mãos do sacerdote. Algumas pessoas sentiam medo de Tino, porque o mesmo gostava de apertaras mãos dos presentes durante o “abraço da paz” ou tentava abraçar, o que causava espanto ou temor.
Vejo que hoje Tino é uma figura marcante durante as missas. Admiro o carinho e educação com que o Monsenhor Carvalho lhe trata. Penso que os tidos como “doidos”, enxergam o mundo de uma forma mais simples e alegre do que os tais “normais”, pois quando querem um abraço é uma forma de expressar carinho ou pedir aconchego. Por tantas vezes o medo, o odor e o preconceito nos impede de sermos mais humanos, e condenamos essas pessoas a viverem na solidão eterna.


Suerlange Ferraz

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A voz do gaivota



Era sagrado sair com as amigas na sexta a noite e raramente aos sábados. Os nossos points eram os bancos que ficam próximos à barraca de acarajé ou as escadas do Banco do Brasil. Comíamos pipocas e inúmeros assuntos eram discutidos por ali. Não tínhamos tanta preocupação com assaltos até porque naquele período, Poções era terra sossegada.

Nossos encontros tinham trilhas sonoras fornecida pela Voz do Gaivota. Legião Urbana, Biquíni Cavadão, Skank, alguns sambas das antigas, músicas da Jovem Guarda embalavam nossas conversas. Perdi a conta das vezes que eu ficava um tempão imaginando a fisionomia de Eduardo e Mônica (Legião), ou da emoção que sentia e ainda sinto que chega a derrubar lágrimas dos meus olhos ao escutar Vento no Litoral. A música tem um poder de mexer com o sentimento e de transportarmo-nos para um mundo imaginário.

A voz do gaivota também tinha trilha sonora para meu sofrimento no dia de ir ao laboratório para fazer "exame de sangue". Era um tortura que começava por volta das 5h00 quando eu era acordada por minha mãe. Ela puxava minha coberta e me dava pressa, eu levantava chorando e com a sensação de que todo meu sangue seria retirado do meu corpo e a certeza de que não sobreviveria a horas sem que um farelo de pão caísse em meu estômago que gritava por um alimento.

Aos prantos e lá estava eu a caminho do laboratório. Ao passar pela praça do Divino, ouvia aquele hino do Senhor do Bonfim e a vontade de chorar aumentava. A melodia do hino soa forte e a parte que diz "glória a ti nesse dia de glória" me fazia acreditar que meu sofrimento ao ser espetada por uma agulha poderia terminar rapidamente e minha glória seria desfrutar dos danoninhos que ficaram à minha espera.

Às 18h00 é o momento da Ave Maria e assim como eu, muitas pessoas ao escutarem a música mariana fazem o sinal da cruz sobre o corpo. É o momento que a fé impera pelo centro da cidade.

Todos os sábados eu vou a feira e às vezes escuto um toque fúnebre, paro um pouquinho e espero o locutor anunciar quem faleceu, pode ser algum conhecido. Confesso que algumas vezes eu me assustei ao ouvir a música que antecede a nota de pesar.

Quando o cortejo com o corpo da minha avó seguia em direção ao cemitério da saudade, a Voz do Gaivota tocava as músicas cujo o refrão são " Segura na mão de Deus e vai" e "Senhor, quem entrará no santuário para te louvar?". Sem dúvida, esse dia foi o que a música estraçalhou meu coração e durante dias fiquei analisando o significado das canções tocadas naquela triste manhã de agosto.

Às vezes, passo pela praça a noite e não consigo imaginá-la sem a presença desse patrimônio que é a Voz do Gaivota. Creio que as canções tocadas nessa rádio já embalaram namoros, os encontros as escondidas, os passeios noturnos e amenizou o fardo no findar de um dia. A melodia e os sentimentos, as palavras cantadas retratam o íntimo de cada um de nós. É aquela recordação que vem com trilha e é tocada para uma plateia que por tantos momentos passa apressadamente diante daquelas caixas de som distribuídas pela praça.

Espero dezembro chegar para reencontrar os amigos na praça, comer pipoca, rir, prosear, ouvir e emocionar ao som da Voz.

Suerlange Ferraz

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A fé nossa de cada dia!


Há quase dois anos, eu fui benzida por uma rezadeira super carismática da comunidade quilombola da Lagoa do João, ela foi responsável por fazer orações enquanto passava uns raminhos sobre mim e rezava suas ladainhas. Quando terminou aquele momento, me sentia mais leve.
Dona Maura é uma mulher cheia de fé e domina conhecimentos sobre o poder de cura de algumas ervas da região. Em nosso último encontro, ela dizia como a fé alimenta a pessoa e é benéfica para quem crer.
Existem crenças tão belas como a de Dona Maura e tem as crendices que levam inúmeras pessoas a acreditarem que a doutrina religiosa que segue é superior ao do próximo. Uma crença doentil e que tem vitimizado muitos seres.
É comum aparecer criaturas portadoras de plena convicção de que os participantes de uma religião diferente a sua está condenado ao inferno. Um monte de intolerantes espalhados por aí. É essa intolerância somada a outros fatores que adoece a sociedade.
O intolerante tem um olhar limitado ao mundo do outro, enxerga males nos diversos seguimentos religiosos. É tão estúpido questionar a fé de alguém. Se tem fé independente de frequentar ou não uma religião. Quem tem fé deve respeitar as escolhas do outro.
Tudo que é diferente aos nossos olhos causa estranheza. Normal! O que não deveria causar é ódio. Tem dias que paro e fico tentando entender o que causa intolerância e nunca acho respostas convictas. Tenho repúdio aos discursos vazios e preconceituosos de algumas pessoas quando se referem às religiões de matrizes africanas ou ao espiritismo. Em Poções existem seres dotados de santidade que amaldiçoam os filhos de santo e os espíritas e ainda usam a bíblia para condenar a fé alheia. Qual é o sentido de condenar a fé ou seguimento religioso de alguém? O que a religião do seu vizinho ou conhecido interfere em sua vida? A sua fé te induz a achar-se um ser diferenciado? Meus queridos, cuidado com a fé que cega e limita. Sinceramente, acredito que a intolerância assim como o racismo é uma doença e quem pratica necessita de um tratamento.
Que possamos viver uma fé linda e que nos conduza na melhoria do nosso ser. Ter fé para sermos tolerantes e respeitarmos a diversidade. Eu já não frequento uma religião, vou a uma novena, já fui ao centro espírita, passei por caruru em um terreiro, não perco uma Marcha do Dendê, amo ser benzida por alguma rezadeira/benzedeira, já fui a um ou dois cultos e recentemente tornei-me uma romeira. Eu tenho fé em tudo que me faz bem. Agradeço aos laboratórios vivos que eu frequentei e que me ensinam a conviver com a diversidade.
Tenho um amor pela festa do Divino, fiz desse amor um artigo monográfico e durante minhas pesquisas tive o prazer de conhecer muitos seres de fé. Pessoas simples que devotam ao titular de Poções (padroeiro) suas esperanças e agradecimentos. Muitos devotos seguiam outra religião, mas naquele momento se juntavam aos católicos para um momento de comunhão religiosa.
A fé nossa de cada dia é alimento pra alma. Não necessitamos compreender a crença de ninguém. O mundo carece de gente que plante o bem, de intolerantes já estamos fartos. Deixe os tambores dos filhos de santos ressoarem. Para de fazer cara feia para os espíritas e cuidado porque careta cria muita ruga e estraga a pele. Não faço vista grossa ao preconceito que alguns católicos e evangélicos sofrem. É lamentável assistir o ódio entre pessoas religiosas. Em 2015, durante a Marcha do Dendê a oração de uma senhora diante da Igreja Matriz, fez com que eu parasse para observar aquela cena tão linda. Uma filha de santo, com os braços abertos, fazendo suas reverencias diante de um símbolo católico. Fiquei encantada com aquele momento e desejei que aquele gesto fosse repetido por mais vezes, por mais pessoas e que o ódio que rouba a visão fosse substituído pela fé que encanta a alma.
Sua religião deve ter coisas belas a te ensinar. Tire a trava que limita seu enxergar e saiba que a fé brota de corações férteis e que buscam semear o bem. Por um mundo com boas energias e gente do bem. Que Deus, os bons espíritos, Oxalá, Buda, os anjos da Guarda, o Divino Espírito Santo ... nos proteja de todos os intolerantes. Amém!
Suerlange Ferraz

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Partida!



Acordei com o vento e o céu meio escurecido da última sexta do mês de outubro.

Acordei e fiquei pensando nessa tal de saudade e da falta que faz alguém que se foi.

Recordei da partida dos meus avós. Lembro-me do momento que pela porta passavam e dei o último tchau.

Quando os amados se vão, pedaços de afeto ficam pelos lugares em que viveram. A saudade ocupa cada centímetro da casa e o olhos viram cachoeira.

Quando os vizinhos partem, a rua fica maior e em cada calçada, uma boa lembrança do sorriso e dos cumprimentos. A vizinhança entristece quando um membro saí de cena.

A rua já não tem a mesma alegria; no São João, não terá aquela fogueira e aquele morador para alegrar a noite; será menos cumprimentos e delicadezas quando eu passar apressadamente sobre a calçada de um ser que partiu.

As estradas também nos tiram vizinhos. É aquela fatalidade que procuramos uma porção de explicação, ficamos paralisados e sofremos.

A saudade traz as mais diversas recordações. Deixa o coração doído porque é complicado lidar com as ausências. O pé de seriguela está florido e isso me fez lembrar da minha avó. Já não sinto tristeza por sua ida, a saudadezinha vem e me entrega recordações doces.

O cheiro do café, a chuva, a comida, a música, os espaços, cheiros, aqueles dizeres, o aconchego, olhares, fotos ... e aquela certeza de que os amados sempre estarão com ou dentro da gente. Na memória, um turbilhão de lembranças; no coração, o melhor daqueles que amamos e nos olhos, a falta em forma de lágrimas.

A partida ainda tem muito a nos ensinar.


Suerlange Ferraz

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Todo dia era dia de celebrar a infância!



Ainda ontem, escutava de uma amiga, que existe um idoso dentro de mim, que eu não penso como a maioria das pessoas da minha idade. Entre uma risada, tive que concordar com ela. Às vezes acho que essa geração tem desperdiçado uma parcela do tempo com coisas que não permitem uma alegria intensa ou não faça a vida ser realmente prazerosa.

As crianças já não exercem a função de planejar e construir seus brinquedos, as meninas deixaram para trás a arte de fazer comidinhas para suas bonecas ou fazer bonecos de farinha de trigo para serem fritos e servidos no lanche.

O quintal da casa de minha avó era enorme e um espaço ideal para as brincadeiras da tarde. Que maravilha era encontrar aquele monte de São Caetano pendurado na cerca. Em instantes, era fincados palitos de fósforo naqueles frutos e eles viravam cavalos.

Na roça em que vovô vivia, os milhos viravam bonecas. O "cabelo"do milho dava um charme ao brinquedo. Não pensem que eu era uma criança que não tinha brinquedos provindos da indústria, tinha alguns, mas preferia confeccionar os meus.

Brincar de amarelinha na escola ou na rua, boca de forno, horas e horas jogando stop, uma roda e lá estava alguém brincadeira com anel que passava de mão em mão.

E o que falar daqueles carrinhos de rolemam que os meninos usavam para descer a calçada que ficava ao lado do Banco do Brasil, hoje ficam alguns banquinhos e o ponto de táxi. Dava um medo de ser atropelada por um carrinho daqueles.

No domingo era dia do céu ficar enfeitado de pipas. No quintal da minha casa, eu conseguia enxergar o colorido das pipas que cruzavam o horizonte.

Na hora do intervalo, na escola, meninos escolhiam um espaço para jogar futebol e pião. Brincadeiras de cunho exclusivo para os garotos. Sempre questionei o porquê das meninas não se misturarem aos seus colegas para disputarem uma partida de gude.

As árvores serviam como esconderijo e, sempre que a tristeza me visitava, era lá que eu me refugiava. Quantas vezes fui encontrada deitada sobre a sombra que o abacateiro, goiabeira ou limoeiro faziam. Eu imaginava tantas coisas que de tanto sonhar, adormecia em qualquer lugarzinho.

Durante a infância, colecionei ioiôs, o brinquedo era maravilhoso. Aproveitava a ida para a escola para poder brincar e ficava irritada quando meu barbante quebrava.

Um talo de mamona, uma vasilha com água e sabão em pó, uma balançada ... pronto! Estava pronta a diversão da tarde. Pulmão aquecido para soprar bolas de sabão. Era cada bolona que passeava pelo ar. Quando vejo um brinquedo que vem com a bolas de sabão, tão sem gracinha, lamento pelas crianças, que desconhecem a felicidade de produzir sua fonte de diversão

Escapei de viver minha infância num período em que o celular parece ser mais essencial do que a presença de alguém. Tive a sorte de ser criança que ria com os desenhos mais fantástico que já assisti, tive a oportunidade de fazer meus brinquedos e de ser uma aventureira pelos quintais e ruas em que eu passei.

Suerlange Ferraz

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Saudando a doçura do dia de São Cosme e São Damião!



Estava indo para a aula de inglês, no último sábado, e pelo caminho encontrei algumas crianças com muitas balas em suas mãos que voltavam de uma reza antecipada de Cosme e Damião. Era possível ouvir o barulho dos fogos que os ‘‘donos das rezas” soltam para celebrar o momento.
A festa dos erês é uma das mais doces recordações de minha vida. Conheci a tradição do Caruru através de dona Ziza, minha querida vizinha que todos os anos, reunia crianças cuja idade não poderia ser superior aos sete anos. Vestia-as com roupas semelhante a de Cosme e Damião e colocava-as sentadas sobre um tapete onde era servido o almoço e depois a sobremesa, que era um saquinho com guloseimas. Os adultos eram servidos após o término da ladainha.
As crianças comiam ao som de mulheres que entoavam as suas orações, eu nunca entendi os que elas cantavam. Lembro-me que durante anos, todo dia 27 de setembro, a movimentação de pessoas era intensa em frente a minha casa. Todos aguardavam a distribuição do caruru que vinha juntamente com arroz, frango, peixe, salada e vatapá.
Em uma rua do bairro Primavera, seu Amanso, também realizava deliciosos carurus. Durante anos, eu e alguns primos, cumpríamos o ritual de deslocarmos das nossas residências em direção à reza. Era um momento de muitas orações e cantorias. As pessoas formavam uma fila imensa para almoçarem.
Dona Ziza e Seu Amanso não habitam mais este plano espiritual. Depois que eles partiram fiquei órfã de carurus ou “carirus”. Todo ano, acordo com pensamentos positivos de que alguém me convidará para degustar um delicioso almoço em alguma reza espalhada pela cidade, mas nem sempre a vibe positiva atrai comida.
Muitas pessoas substituíram os almoços por distribuição de bolo, arroz doce, canjica e doces. Em algumas rezas, os devotos delimitam a quantidade de crianças e a idade para se sentarem a mesa (que na verdade, são tapetes distribuídos pela sala ou cozinha). Em outros lugares, não existe limite estipulado para idade e quantidade de crianças que participarão do evento. Mãe Bibiu, reúne mais de trezentas crianças em sua mesa, com idades variadas, e ainda distribui almoço para centenas de convidados, realizando uma festa bonita. Outro caruru famoso é o que acontece na fazenda Buraco do Boi (tradição famosa em Poções que ainda não tive o prazer de conhecer).
Pelos bairros, a devoção será cumprida. Até o final do mês, escutarei muitos barulhos de fogos pela cidade, anunciando que a festa dos erês está acontecendo em algum lugarzinho de Poções. Verei muitas crianças felizes, assim como eu ficava, quando recebia pacotinhos recheados de doces ou quando o desejo era saciado com um prato bem lindo contendo arroz, vatapá e caruru; não faço questão que coloquem peixe ou frango em meu prato.
Vários devotos estarão cumprido suas promessas, entregando doces, e caso você não comungue dessa tradição, não menospreze quem tem o trabalho e prazer de sair de seus lares, doarem um pouco de si para professar sua crença e não está fazendo nada de mal a ninguém. Se você não gosta do simbolismo que existe, não tem problema, mas respeite. Quanta gente medíocre costuma demonizar a fé do outro.
E muito, hei de escutar “Cosme e Damião eu vou plantar chuchu, para todo ano fazer caruru pra tu”. O assunto de hoje me deu fome e aproveito para salientar que eu não recuso convite para rezas, sejam elas com bolos ou almoços. Caso algum leitor queira me convidar para saborear um caruru, é só mandar o endereço e horário que eu apareço (risos).
Que o mês de setembro chegue ao fim com a doçura dessa tradição e alegre igual aos guris que se contentam com algo tão simples como doces, pipocas e salgadinho. Viva, São Cosme e São Damião! Viva a alegria e ternura dos erês!

Suerlange Ferraz

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Prece


Aos religiosos, respeitem-se!
Aos políticos, façam com que o povo volte a acreditar em políticos honestos. Apareçam sempre na casa dos habitantes da cidade em que vocês atuam. Sentem-se nas cadeiras simples ou sofás luxuosos, tomem cafezinhos ralos, conversem, elogiem as pessoas e lutem por melhorias para todos.
Aos eleitores, valorizem-se!
Aos ricos, solidarizem-se com os pobres!
Aos pobres, não permitam que os sonhos morram e façam o possível para que a luta por uma vida melhor, não fique só no sonho.
Ao educador, mesmo com a difícil missão de formar cidadãos, seja um professor comprometido consigo e com a educação dos seus alunos.
Aos alunos, levem a sério a educação e se tornem seres críticos.
Aos intelectuais, sejam dignos desse título.
Aos racistas, preconceituosos, machistas, homofóbicos ... já tem ódio demais no mundo e vocês colaboram para que a vivência na Terra não seja tão legal.
Aos golpistas, a opressão não calará a população.
A vida, sabedoria!
Ao coração, tranquilidade e um punhado de bons sentimentos.
Aos vizinhos que gostam de um pagodão ou uma sofrência no domingão, por favor, lembrem-se que ao lado da sua casa tem alguém que não é obrigado a compartilhar seus gostos musicais e necessita dormir. Obrigada!
A inspiração, visite-me com mais frequência .
Aos companheiros de discussão, agradecida por fazer de pequenos encontros, momentos de troca de aprendizado e enriquecimento pessoal. Como é bom encontrar gente que tenha bom conteúdo para dialogar.
A cada pôr do sol, um momento para contemplar a delícia que é viver.
Aos adversários políticos, respeito!
As primaveras ou verões, mais motivos para encantar-me!
Que as ideologias sobrevivam após os golpes de cada dia.
Aos leitores,gratidão por reservar um pouco do seu tempo para ler minhas postagens. Há dias que acho que escrevo um monte de coisa boba e que não interessa a ninguém; em outras ocasiões, o meu lado professora de história é gritante e tem dias que faço das palavras uma releitura de quem eu sou e daquilo que eu acredito. Escrever é terapêutico, engrandece a alma e aproxima as pessoas. É uma forma de rever conceitos, amadurecer e permitir que alguém tome posse dos seus escritos através das recordações.

Suerlange Ferraz

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

E essa geração?

Depois de mais um dia de trabalho, estava voltando para casa e um pouco a minha frente seguiam alguns jovens estudantes. Eles dialogavam e diziam que estudar é muito chato e só vão a escola porque são obrigados. Confesso que naquele momento não me surpreendi com a fala deles, não tive surpresa porque diariamente escuto de muitos alunos a mesma afirmação.
Segui meu trajeto relembrando os anseios que eu e meus colegas tínhamos em um passado não tão distante. Acreditávamos que éramos capazes de sermos agentes transformadores da nossa realidade, no meu clico de amizade, a riqueza não imperava. Nas rodinhas de conversa, os assuntos eram variados. Sempre estávamos antenados com o que acontecia no mundo. Recordo dos diálogos sobre os atentados terroristas no dia 11 de setembro de 2001, nos EUA; eu e meus colegas estávamos sentados nos banquinhos que tinha no corredor da Escola Municipal Luis Heraldo D. Curvelo (antigo CENEC). Acredito que aquela geração que eu fiz parte na adolescência, cresceu com um espírito revolucionário e que não permitiu o contentamento com um sistema opressor.
Convivo com uma geração em que as futilezas e a tecnologia tem privado as crianças e adolescentes de ter um contato maior com a natureza; de interagir com o vizinho, de confeccionar seus próprios brinquedos, de compartilhar opiniões em uma roda de amigos. E, existe uma geração que é privada de lazer porque precisa trabalhar para ajudar na renda familiar, são os pequenos trabalhadores. Enquanto a mesa de uns é tão farta; na casa do outro, nem sempre tem mesa e muito menos fartura. Existe um egoísmo tão presente em nosso meio, é aquela história de que o problema do outro é só dele, mas a miséria é um problema de todos. Não é o governo que é o responsável por sanar a fome daquele cidadão que bate a sua porta, naquele momento você se torna um agente transformador na vida daquele ser humano. Quando fico mais de três horas sem comer algo, me sinto mal, imagine quem tem dez ou doze horas sem comer. A sensibilidade não pode sumir do nosso meio.
A geração em que eu estou vivendo tem optado, em sua grande maioria, em viver silenciosamente diante dos desmandos de muitos políticos corruptos e o que mais me causa espanto é saber que uma parcela da elite intelectual troca votos por cargos, esquecendo-se de visar o coletivo, enquanto, os excluídos da sociedade ofertam seus votos em troca de uns trocados ou alguns quilos de alimentos. Lamento ter que ler postagens pedindo a volta da ditadura ou professores que defendam a escola sem partido. Poxa! Não consigo imaginar eu dando aula e sendo privada de expressar minhas opiniões. Escola tem que ser democrática!
Espero que seja ilusão minha, mas tenho percebido que muitos jovens que ocupam os bairros mais humildes estão deixando de sonhar e buscar uma vida melhor. Estão se conformando com o emprego que tem, ganham menos que meio salário mínimo, trabalham mais de oito horas diárias e estão “satisfeitos”. Não era para ser assim. Sonhar alimenta a alma. É uma geração que elege um jogador milionário como herói, mas não se interessam pela história dos verdadeiros heróis dessa nação. O Brasil não é o país do futebol, é uma nação com mil maravilhas, um povo alegre e batalhador, ao menos tempo, é um lugar que a violência rouba o nosso direito de ir e vir; a estupidez presente em certos discursos que enaltecem o militarismo enquanto forma de governo. Um país em que a cada amanhecer é noticiado um corte na verba da saúde, na educação e cultura; é professor sendo espancado por lutar por seus direitos; é seu Joaquim que faleceu esperando um atendimento no corredor de um hospital; abraços e afeto, lá vem aqueles políticos que aparecem de caju em caju.
Essa geração que ainda não aprendeu a respeitar a fé do outro; não sabem diferenciar política de politicagem; necessidade de futilezas.
Caros pais, as crianças não devem ser educadas achando que não necessitam do próximo ou sem limites, elas devem aprender no seio familiar, bons princípios e educação, não depositem isso no educador. Coisa linda é presenciar crianças sensíveis, que respeitam os próximos, os animais e a natureza.
E essa geração? Ela ainda precisa descobrir que acumular fortunas não é a maior riqueza de um humano, deveria entender que é injusto sobrar comida em um lar ao mesmo tempo em que milhares de pessoas morrem de fome; e, silenciosamente deve-se estender a mão a um necessitado. Ah, queridos porteiros do céu, religião e falsos testemunhos não salvam ninguém. Essa geração passa por um processo de desconstrução dos valores, o que a meu ver, é grave.

Suerlange Ferraz

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

As doenças que afetavam as crianças do interior








Durante uma viagem, acompanhada por duas amigas, ríamos ao recordar de como era sofrido ter algumas doenças na infância. Lembrávamos das impingens (impinjas), das cicatrizes enormes que marcavam nossas pernas devido às estripulias, dos piolhos que invadiam nossos cabelos e dos remédios que as mães usavam para amenizar os nossos sofrimentos.
Quantas crianças sofreram com a invasão de piolhos em suas cabeças? Sei que não foram poucas. E quantas sobreviveram ao terem suas cabecinhas mergulhadas no “bofo”, veneno usado para matar formigas? Centenas. Quantos relatos de coleguinhas que vivenciaram essa situação. Era um verdadeiro ranger dentes, quando a mãe jogava o produto no cabelo, colocava uma sacolinha e depois uma touca e ainda avisava “Se passar a mão na cabeça e depois coçar os olhos, já sabe, vai ficar cega!”, era um sofrimento sentir aquela batalha pela sobrevivência no couro cabeludo e não poder dar uma coçadinha para melhorar a agonia. Queridos, o escabim não tinha chegado ao interior e não pensem que a existência dessas criaturinhas era devido a falta de higiene, é que sempre aparecia um colega infestado e acabava transmitindo aquelas praguinhas para os companheiros de classe.
As impingens ou impinjas, em muitos casos, eram tratadas com pólvora e limão, e nada de passar próximo a um fogão, o medo daquele produto entrar em contato com o fogo e explodir era enorme. Os remédios caseiros era a salvação de muitos pais. Eram feitos com ingredientes super secretos, e caso os doentes descobrissem, a enfermidade poderia piorar.
Para aquelas crianças com “boqueira” nada que um pião roxo não solucionasse. Um cansaço sobrenatural era sintoma de mau olhado e uma boa benzedeira resolvia numa rapidez, a querida e saudosa dona Alvina me livrou de muitas espinhelas caídas e da mufina (cansaço, indisposição muita preguiça e desanimo). Segundo o relato de uma amiga, ela lembra que ao sentir dor no estômago, sua mainha a levava numa rezadeira e ela media a espinhela com uma linha, no antebraço e no ombro.
A caxumba ou a “papera/papeira” era outra doença terrível. Os pescoços pareciam paredes com reboque devido a tanta cinza ou casinha de João de Barro, precisávamos de ajuda dos pais para nos locomovermos. Eu fui vitimizada por esta doença. Passei dias enclausurada, assistindo desenhos e em repouso absoluto. Quando os colegas e os vizinhos sumiam por algum tempo, eu já imaginava que eles também estavam com os pescoços imobilizados. E ainda tinha os banhos com ervas medicinais.
Não tive catapora e sarampo. Sofri com quedas e levo marcas nas canelas, braços e joelhos de aventuras ao tentar subir no “pé de manga” ou “no pé de goiaba”. Março ou abril era tempo de saborear as seriguelas e os tombos estavam garantidos. Depois de algum tempo, fiquei medrosa e não me arriscava a subir em nenhuma árvore.
Voltar da escola após um dia chuvoso, brincar nas poças de água e não se importar com o resfriado ou com doenças e caso a gripe aparecesse, aquele xarope caseiro, bem docinho, era o melhor remédio. A vida era muito boa porque não existia tanta responsabilidade e as coisas prazerosas vinham da natureza.
Sempre acreditei que é muito prazeroso viver em cidades interioranas, a sensação é que a vida passa em um ritmo mais delicado, proveitoso e com vivências incríveis. As pessoas mais idosas são cheias de crenças, ainda é possível sair por aí pedalando e admirando o por do sol, conversar nas filas e fazer boas amizades. Lamento por saber que as crianças da contemporaneidade ficam presas em casas, reféns de jogos e celulares, e não saberão a emoção de ter uma espinhela levantada ou a alegria de chegar num topo de árvore para pegar a fruta desejada, muito menos, a felicidade de se alegrarem com as brincadeiras simples, mas que significavam muito nos anos que se passaram.
Suerlange Ferraz

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Os medos que assombrava minha infância




Fui uma criança e adolescente medrosa, e na vida adulta, alguns medos sondam minhas noites. Por ter convivido com avós, tias avós, tias e uma mãe cheia de crendices, ouvia muitos casos sobre aparições de seres misteriosos nas noites de semana santa, almas que vagam pelas ruas da cidade ou na zona rural. Sofri com o medo que as conversas causavam em mim.
Os medos da minha infância vinham em forma de lendas. A Semana Santa era época de profundo silêncio e das comidas deliciosas. Tempo de sair pelas casas dos parentes e padrinhos pedindo bênção. Também era a época que eu mais sentia medo porque os seres mais assustadores estariam soltos nas ruas de Poções. A mulher de branco, o lobisomem, a cachorra Helena que devorava as crianças desobedientes e outros colegas assustavam as crianças da rua de Conquista. Nas bandas da famosa rua do "Feijão Sameado", segundo reza a lenda, habitava um senhor que nas noites que antecediam a sexta feira santa, comia os gatos e transformava-se em lobisomem. Quanto medo eu tinha daquele homem. Ele tinha um olhar estranho e, segundo meu pai, quando o senhor começava o processo de transformação, as orelhas esticavam e os olhos ficavam arregalados, era necessário muitos homens para conter a força sobrenatural dele. Realmente, os gatos da vizinhança sumiam neste período de semana santa
Toda vez que eu aprontava algo, minha mãe gritava “vou mandar Raimundinha te pegar!” e logo as lágrimas surgiam. Oh, céus! A figura daquela criaturinha me causava um medo que fazia com que meu coração acelerasse toda vez que eu a encontrava. Ela era magrinha, corcunda e usava uma popa no cabelo, tinha um olhar que me assustava e eu ficava arrepiada quando ouvia seu nome. Várias crianças sentiam o mesmo medo que eu. Fiquei tão aliviada quando Raimundinha partiu para outra cidade.
A rasga mortalha era um dos meus maiores medos da infância, segundo as pessoas mais velhas da minha família, quando essa ave passava pela redondeza era sinal de que alguém haveria de falecer, ela emite um barulho que parece um pano sendo rasgado, era um ser agourento. Por muitas vezes, ficava imaginando o quão horrorosa deveria ser esse animal e, depois de assistir um programa, descobri que a tal da rasga mortalha é uma coruja branca. Eu sempre digo que esse fato é mito, mas os mais antigos são cheios de crendices e tem convicção que a ave traz energia negativa e avisa que a morte chegará para alguém da casa que ela sobrevoar.
Outro medo eram as almas penadas, Meu Deus! Como eu tive medo na infância e adolescência. Uma tia avó e minha mãe contavam casos arrepiantes, perdi as contas de quantas vezes elas diziam ter sido atacadas por almas penadas, as histórias poderiam ser enredos para um filme de terror. Era a mulher de um compadre que faleceu e não descansou, então resolveu perturbar a vizinhança; outro que assombrava os animais nos quintais; e, eu tinha taquicardia a cada “causo de terror” contado por aquela tia. O medo era tão grande que eu sempre dormia com a luz do quarto acessa, qualquer barulho já era motivo para ficar assustada. Quantas vezes eu sentia um ventinho em meus pés e achava que era alguém tocando nele, deve ser por isso que sempre durmo com meias. Cheguei a dormir com uma pequena cruz embaixo do travesseiro, deixava a Bíblia próximo a cama e a luz sempre acessa, acreditava fielmente que este ritual afastaria a alma que por ventura quisesse me assustar, até que um dia eu pensei, se o defunto fosse ateu, os objetos religiosos não o espantaria (risos).
Os medos nossos de cada dia. Sinto falta da criatividade do pessoal que me acompanhou durante a infância, os medos eram frutos de mentes férteis e responsáveis por estórias mirabolantes. Convivendo com crianças, percebo que a infância deles não tem um saborzinho de mistério, fantasia, criatividade, e outras coisas que a vida ofereceu a galera da minha geração.


suerlange Ferraz

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Maldito racismo!


Se tem uma coisa que me causa mal estar é racismo, dói presenciar ou sentir em si a discriminação pelo fato da pele ser escura ou de ter um cabelo crespo; a dor aumenta quando é nítido que uma parcela da sociedade diz que o racismo é “mimimi” ou coisa de um povo ressentido.
Faz alguns dias que eu esperava por atendimento em uma clínica, mais uma vez machuquei o pezinho direito, mas isso não vem ao caso; enquanto lia uma revista, com o pé esticado em uma cadeira, escutava a conversa de dois senhores, ambos comentavam sobre uma matéria que acabara de ser exibida em um canal, o tema era preconceito racial no Brasil. Os senhores que possivelmente se consideravam “brancos” ou pardos, riam e comentavam que qualquer coisinha que se diz a um pretinho é crime; o outro, com um sorriso irônico, salientava que “ parece que ta no sangue, esse negócio do preto ser bandido”. Desejei não estar ali para escutar tanta bobagem e rezava para que eu fosse atendida o mais rápido possível.
Mas a minha prece não era atendida e um daqueles senhores me olhou e disse “o que aconteceu com o pé da morenhinha?” Eu, muito educadamente, disse "Sou negra e não morena! Caí a caminho do trabalho e machuquei o pé”, o senhor, com um certo espanto dizia que eu não era escura para ser negra e nesse exato momento ele deu uma brecha para eu me empolgar e explicar um pouco das raízes maléficas de racismo que estavam impregnada na fala dele e do colega. Comentei que não é ofensa ser chamada de negra, mas que ofensa maior é achar que a cor da pele define o caráter de alguém, e que a discriminação racial fere e muito. Acho que eles não estavam se importando com minha fala. A conversa foi rápida porque Deus atendeu minhas preces e, mancando, dei um tchau àqueles homens.
Passei o resto do dia refletindo a respeito da fala deles e de tudo que já escutei, presenciei e raramente senti na pele. Fiquei imaginando como eu reagiria se um dia, meu filho, que ainda não tenho, chegasse em casa chorando porque alguém o discriminou levando em consideração a sua cor ou cabelo.
Nunca precisei ser discriminada para defender os direitos dos meus irmãos de cor, identidade e cabelo. Sempre tive orgulho das minhas raízes e lamento quando vejo que o racismo é uma doença que se prolifera desde a infância. Muitos pais e alunos esnobam o ensino de cultura afro por achar que é algo desnecessário; assim como a sociedade reage ao feriado destinado a consciência negra e eu acho tão estranho quando as pessoas postam que deveríamos ter o dia da consciência humana. Peraí! Se somos humanos, a lógica é que fossemos todos conscientes de nosso atos e respeitássemos a diversidade, mas quando um negro é confundido com um bandido, as mulheres negras são as principais vítimas de estupro no país; nas universidades, o negro é minoria, assim como nos fundamentais I e II e no ensino médio; enquanto escutarmos piadinhas preconceituosas, discursos racistas ... Deveremos ter o dia da Consciência Negra.
Não sou uma negra ressentida! Sou uma sonhadora que deseja uma sociedade mais justa e menos maldosa para os que virão. Desejo que as negras não sejam vistas como mercadorias porque merecemos ser respeitadas, amadas e valorizadas. Anseio dias em que nossos cabelos não sejam motivo de riso ou que aquelas comparações horrorosas com esponja de aço, sujeira e feiúra seja abandonada. Poxa! O cabelo crespo é lindo! E o meu além de ser lindo, é super bem cuidado e cheiroso, não merece ser ofendido. Nós, negros, não merecemos as ofensas cotidianas! Estamos neste mundo para sermos respeitados, buscamos nossos espaços, desejamos e lutamos por transformações, lamentamos quando a mídia oculta os crimes que são cometidos a um negro neste país. Mas o que esperar a mídia brasileira? Particularmente, não espero muito! Ela sempre se preocupa com a classe dominante, e diz que enaltece a negra no carnaval, ao mostrar para o mundo que a beleza está em uma mulher nua que não para de sambar na tela da televisão e, assim, transmite a imagem de uma mercadoria. Sociedade, pare de achar que o racismo só existe na cabeça no negro porque não é bem assim. Ele está em todos os lugares e precisa ser combatido.
Os protagonistas de filmes raramente são negros: nas novelas, a cozinha é o destino das atrizes negras, falta projetos nas escolas com a temática que valorize e promova a autoestima dos considerados afrodescendentes; é necessário o extremo respeito as religiões de matrizes africanas, os negros estão escondidos nos livros didáticos e a sociedade procura meios para criar uma invisibilidade dos negros.
Não sei se estarei viva para presenciar as transformações que são desejadas por muitos, mas enquanto minha voz ecoar, não serei uma coadjuvante desta sociedade. Quero ser protagonista que luta por estações multicoloridas e dias em que eu não seja obrigada a discutir com alguém que menospreze minha cor. Sou negra, professora de história e não sou uma mercadoria.

Suerlange Ferraz

segunda-feira, 18 de julho de 2016

É domingo e eu trintei!


É domingo e eu trintei!

Um sol lindo, pássaros cantando, cheiro de flores, lágrimas e felicidade ao ler as mensagens que chegaram no decorrer do dia, surpresa dos alunos,os abraços gostosos aqueceram meu coração e as deliciosas visitas fizeram meu dia mais feliz.

Trintei ouvindo Maria Bethânia e viajei nas recordações, lembrei dos inúmeros planos que eu arquitetei em minha cabecinha, bateu saudades dos amigos que estão distantes e agradeci pelo que sou e tenho.

Sempre digo que, eu sei bem quem eu sou. Pareço durona, mas dentro de mim ainda habita uma criança, teimosa e chorona. Sou uma sonhadora que deseja viver em um mundo com menos desigualdade e espera que a humanidade seja mais tolerante.

Sou grata por tantas coisas boas que me ocorrem, pelos amigos que me enxergam muito melhor do que eu sou, grata a oportunidade de escrever e saber que meus rabiscos são saboreados por tanta gente.

Por onde andei, guardei em mim, as cores,rostos,estórias, aprendizado e uma mala carregada de descobertas.

Agradeço ao tempo, às vezes, achei que ele foi durão comigo, mas uma dureza que doeu e mesmo assim, me fez amadurecer. Deus, querido! Agradecida pelo zelo que tens comigo.

Uns fios de cabelo branco, dores musculares, uma bagagem, olhar arredio, cheia de medos e sonhos, um coração que pulsa eletricamente, encantada com o simples da vida, música e um céu estrelado ... E assim chego a três décadas. Celebro os trinta aninhos com uma alegria de quem tem descoberto diariamente que o tempo me fez bem.
Agradeço a beleza dos dias, a brisa suave das madrugadas, as palavras soltas que são transformadas em versos, todos os sorrisos que me alegram, aos amigos, aos desconhecidos que cruzam o mesmo caminho que o meu, as oportunidades, aos meus ideais, e que minhas convicções nunca morram. Que as teorias abram alas para a prática passar. Um fio de cabelo branco, uma dorzinha nas costas e os sinais das décadas chegando. Agradeço a Deus pela oportunidade de estar celebrando mais um nascimento de ciclo. Sinto-me agradecida por ter pessoas que me amam, mesmo sabendo quão limitada e pecadora eu sou. Que a vida continue me encantando, que o meus caminhos possam ser sempre de aprendizado, e, que na minha bagagem, eu possa sempre levar a leveza do viver, a fé nas pessoas, a alegria de uma menina, os sonhos de uma adolescente, a música que embala a alma, velhos e novos amigos, a verdade, o perdão, os reencontros, meu lar, ensinamentos que proporcionam amadurecimento, fotografias, gratidão, encanto e cores, amores e uma porção de versos.
Suerlange Ferraz

terça-feira, 12 de julho de 2016

Recordações



Têm certas coisas que ficam guardadas eternamente dentro de nós, tornam-se marcas, cicatrizes ou lembranças que enfraquecem, mas não somem do nosso interior. O cheiro, as cores, um objeto, a música, um verso, o frio e tantas outras coisas eu transformei em amor escrito. Fiz da dor, poema; dos sonhos e das vivências, contos; do medo, uma imaginação fértil para criar estratégias de superação.
Penso que seríamos mais felizes se a ternura de uma criança fosse eterna dentro de um adulto. Na fase adulta tudo se complica, acumulados ressentimentos e corremos o risco de tornarmos doentes emocionais. Os medos já não são mais de monstros, mas de encarar os problemas que surgem constantemente; às vezes é tão chato ter crescido.
Hoje, de forma avassaladora, as lembranças da infância chegou durante uma madrugada calorenta. Chegou de forma tão doce. Consigo sentir o cheiro das tangerinas, a manga verde com sal e da "goiaba branca" da casa da minha avó. Fecho os olhos, e vejo o balanço no pé de goiaba que ficava próximo ao pé de limão boi. Meu quintal era tão lindo, tinha várias margaridas e árvores frutíferas, passava a tarde toda brincando no melhor lugar do mundo, o lugar que me fazia tão feliz. Era no meu quintal que eu inventava minhas histórias, cantava sem vergonha, morria de medo das cobras que saiam do “mangueiro” e cismavam em invadir meu quintal. Lembro das hortas lindas que minha mãe cuidava com tanto amor, mas a chegada dos cachorros fez com que elas desaparecessem.

Coisa estranha é saudade que chega sem pedir licença e se hospeda dentro de nós. Consigo sentir o gosto de alguns docinhos, os melhores que já comi. Lembro-me das tartaruguitas que minha mãe comprava depois que eu saia da catequese. Fecho os olhos e vejo uma pequenina barraca no centro da cidade, várias árvores faziam sombra e eu feliz com meus docinhos. A felicidade custava tão pouco quando eu era criança. Ela vinha em forma de tartaruga de chocolate ou maria mole. Na minha infância, os doces pareciam ser mais gostosos do que os de hoje em dia, ou talvez, o paladar que era menos exigente. O centro da cidade era lindo, cheio de árvores que fazia uma sombra gostosa.

Nos dias decorrentes da semana, um senhor de estatura média, passava na rua em que eu moro vendendo badegas de cocos em forma de colares. Alguns colares vinham pendurados no pescoço dele e mesmo assim, as crianças saboreavam aquelas badeguinhas de coco. Se fosse hoje, aquele senhor seria autuado por falta de higiene. Mas na minha infância, ele era o cara que sempre alegrava minhas tardes. Que saudade daqueles colares !
Olha o quebra queixo! Olha o quebra queixo! E lá vem vindo aquele senhor baixo, com um pano na cabeça, um triângulo para entoar seu barulho e o doce dentro de uma caixa de madeira e um suporte. O senhor não era um ser muito alegre, mas alegrava e muito a tarde de tanta gente.

Sempre procurei alegrar-me com as coisas mais simples da vida. Um cartão substitui um presente, as músicas ainda me emocionam, pedalar e deixar o corpo fluir, sentir saudades de um doce ou da chuva. Memória é lugar de sentimentos que faz uma pessoa viajar em suas ou nas lembranças de alguém. Memória é trazer a saudade em forma de palavras repletas de sentimento.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Poções, uma terra de encantos!




Cada cantinho da cidade, uma lembrança; em cada morador, um história para lembrar e nas imagens, recordações e saudades.

Cidade querida! Berço de tradições, terra de gente boa e de fé . A terra do Divino que tão bem acolhe seus filhos e os que resolveram por aqui morar.

Celebrar o aniversário da cidade é alegrar-se por fazer parte da história deste lugar. É recordar dos tantos poçoenses que lutaram para que a cidade melhorasse em todos os aspectos, pessoas que fizeram história por aqui.

A cidade que comporta as variadas manifestações religiosas é abençoada pelo Divino Espírito Santo. Em maio ou junho, os devotos se reúnem para celebrar Pentecostes. Momento mágico, saudoso e lindo.

Celebramos o aniversário da cidade e recordamos de tantos que deixaram sua contribuição na memória de Poções: os imigrantes, que por aqui fizeram morada e deixaram suas heranças; os queridos "malucos" que foram protagonistas de tantos "causos"(Paulina, Chico da saia, Dió, Camarão, Deja...); a padaria de seu João Cambuí, ponto de encontro de várias gerações e na fila do pão encontrávamos os conhecidos e a conversa acontecia; Pe. Benedito, exemplo de luta pelos menos favorecidos; a poesia de Affonso Manta embeleza a vida; Mituca, que durante anos coordenava a chegada das bandeiras; Dona Alvina, mulher dos ramos, alma iluminada que benzia quem a procurasse;os inúmeros professores que modificaram o cotidiano de Poções; Seu João e dona Maria, pessoas simples que estão em todos os lugares, sendo referência nas comunidades rurais ou na área urbana; gente simples, que talvez não terá seus nomes registrados em pesquisas acadêmicas ou em aulas, mas sua existência já está selada na memória de um povo.

Amada Poções, desejo-lhe dias melhores,saúde para todos e que a mesma seja de qualidade, fé em amanheceres mais felizes, que a fé seja respeitada, amor para renovar a esperança e alegrar a vida, boas músicas para celebrar as conquistas e embalar os sonhos;moradores sonhadores e conscientes, que lutem diariamente por melhorias para você; educação de qualidade e que forme cidadãos críticos e conscientes, poesia para acalmar a alma e alegria.

Que mesmo quando a expectativa em uma cidade melhor quiser se fazer ausente, possamos fazer nossa parte para que os que virão encontre um lugar melhor para se viver.

Feliz idade nova, Poções!

Su Ferraz

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Ah, humanidade!


Tenho evitado assistir jornais. Todos os dias são noticiados tragédias, mais dados sobre os políticos corruptos, massacres, ódio, preconceito e tantas outras coisas que não acrescenta nada em mim, enquanto ser humano. Sei que o fato de não assistir a telejornais não mudará os acontecimentos. Ás vezes fico até com vergonha quando digo aos meus alunos para assistirem aos jornais.
Percebo que a desgraça do próximo gera muito ibope. Lamento quando alguém envia fotos de cadáveres via aplicativos sociais, creio que quem tem atitudes tão estúpidas, esqueceu-se de essência do ser humano. Sempre imagino como seria doloroso uma família ver uma a foto de um ente querido morto, em grupos de certo aplicativo.
Um ataque a uma boate gay, dezenas de mortos, familiares e amigos desesperados e sofridos, e gente sem compaixão e ética postando piadinhas em redes sociais. Poxa! Ninguém é obrigada a amar o que não lhe agrada, mas é mais do que necessário que haja respeito as diferentes formas de amar. Fico observando os homofóbicos de plantão, seus discursos são arcaicos e apoderam-se de um ódio medonho e eu me pergunto o porquê desta falta de respeito a outras pessoas, que não interferem sua vida. Pior são aqueles que usam o nome de Deus para condenar o próximo, o mundo está cheio e “porteiros celestiais”.
Abandonamos nosso lado humano, quando nos falta sensibilidade para sentir a dor que bate a porta do vizinho; emocionar ao ler um pedido de uma criança carente feita ao papai Noel, pedindo uma cesta básica para saciar a fome de sua família; perdemos aos poucos a sensibilidade quando compartilhamos vídeos de cadáveres; falta ternura quando pensamos que nossa crença é superior ao do outro; falta amor quando deixamos de nos comover diante de tantas tragédias que surgem em nosso planeta; e deixamos nosso lado humano quando alguém pede um pouco de alimento e cremos que a obrigação de alimentá-lo é do governo; perdemos bons sentimentos, quando achamos normal que um jovem, de bairro periférico tenha morrido em função da violência e, ainda falam “ menos um bandido na cidade”. Sentir compaixão e não fazer nada para melhorar a vida de alguém não é útil.
Se você não pode ajudar as crianças do continente africano, ajude uma que mora próxima a você. Convido-o a ir ao Alto do Paraíso, ali encontrarás muitas crianças que necessitam de alimentos, roupas, brinquedos e um afago. É maravilhoso receber um obrigada em forma de olhar ou um sorriso. Não fique com pena do personagem da novela, que passa frio, tenha compaixão por quem está vagando pelas ruas de sua cidade atrás de um agasalho, aqueça-o.
Ah, humanidade! Você precisa urgentemente de seres do bem e que espalhe-o por onde fores. A humanidade precisa de ética, bons sentimentos, fé em dias melhores e muita sensibilidade. De ódio, o mundo já anda cheio!

Meu texto vai melhorar o mundo? Creio que não! Mas também não vai piorá-lo. Quem sou eu na fila do pão? Sou uma sonhadora, que acredita em melhorias para os dias futuros, observa detalhadamente o que acontece ao seu redor, enquanto a moça da padaria não entrega seu cinco pães de doce ou de abóbora.


Suerlange Ferraz

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Amados bichos de estimação


Eles olham, fazem brincadeiras, abanam os rabinhos, identificam as vozes de seus donos, tem uma sensibilidade incrível e por tantas vezes, acredito eu, que eles sabem o que sentimos e ainda tem a capacidade nos tornar mais humanos. Quem tem um bicho de estimação entende do que eu estou falando.
Quando você imagina que ninguém estará te esperando em casa, lá estão eles, em algum canto a casa, e quando escutam seus passos ou sua voz, alegram-se e fazem uma festa com sua presença. Cada pulo, cada latido, cada gesto ou miado é um sinal do quanto você é importante na vida daquele bichinho. E, ainda tem aquelas pessoas que por inúmeras circunstâncias da vida, moram sozinhas, e por uma linda ocasião da vida, encontrou em um animal, a companhia que alegra seus dias.
Sandálias devoradas, meias babadas, pelos pela casa, caqueiros aos pedaços, frutas sendo desviadas das fruteiras, roupas que puxadas do varal e viram cobertores, o aparecimento de algum inseto em sua cama que um gato trouxe, pedal da bicicleta comido, tudo isso e mais um pouco é perdoado quando, ao serem reclamados, ele nos olham com aqueles olhos de arrependimento, dão uma lambida ou pulam em nosso colo, e aí toda chateação vai embora.
É um carinho de um ser que não pede nada em troca, que mesmo quando brigamos com eles, costumam fingir que nada aconteceu e em troca, optam por dar carinho a quem eles amam. Sabem consolar quando estamos tristes, ficam tristes quando alguém que eles amam vai embora para algum lugar. Silenciam quando percebem que seu dono partiu para nunca mais voltar, sentem medo de quem não tem bons sentimentos e os maltratam.
É doloroso passear pela rua e encontrar tantos animais sem lar, é mais doloroso quando é possível ver a crueldade humana presente naqueles que espancam um bicho que já sofre com o abandono, e ainda tem os animais que morrem envenenados por pessoas que necessitam aprender o que é o amor. Se você não pode alimentar um animal, não o maltrate. Nenhum tipo de animal deveria sofrer violência, vejo vários cavalos magros, cheios de ferimentos e abandonados em nossa cidade, muitos foram utilizados para puxarem carroças e depois que não serviam para o trabalho, foram abandonados por seus donos.
Muitas vezes o animal se aproxima de você para implorar um pouco de alimento e carinho. E por tantas vezes, os animais parecem ter atitudes mais humanas do que a de muito ser humano. Chegam em nossa vida para nos alegrar e quando partem, um vazio enorme domina a casa e o coração, é um pedacinho da gente que vai embora. Bicho de estimação é um dos mais belos presentes que alguém pode ter, é algo valioso e que existe para alegrar a vida de muita gente.

Suerlange Ferraz

sábado, 28 de maio de 2016

Pelo fim da cultura do estupro


Uma mulher vítima da barbaridade cometida por trinta homens. Uma mulher sendo expostas por quem a abusou em redes sociais. Uma mulher machucada,desacordada, comentários cruéis e machistas, e o que tanto choca é o que muitos pensam, falam ou simplesmente torna-se este fato invisível perante seus olhos.

Por dia centenas de mulheres sofrem violência sexual. Muitas são assassinadas, e as que sobrevivem, carregam as cicatrizes na alma, as dores e pesadelo do que viveu. E que tanto causa assombro são as justificativas de alguns crápulas e de alguns detentores da "moral e do bons costumes" que culpam a mulher por ter causado seu próprio estupro. Vestir mini saia, vestidos curtos ou decotados, shorts ou roupas justas não significa que o homem tenha direito de violentar uma mulher. Justificativas estúpidas. Entendam,a mulher tem o direito de andar e ocupar o espaço que ela quiser.

Joana, 19 anos, cearense, amava usar roupas curtas,estudante, foi estuprada por dois homens. As vizinhas diziam que ela era "dada" e atraiu seus agressores.

Ana, 24 anos, capixaba, usava roupas comportadas, era recatada e do lar, foi estuprada pelo seu vizinho.

Reparem que não existe um fator determinante para a mulher sofrer violência sexual. O preconceito de cada dia continua vitimando inúmeras mulheres. É cômodo não sofrer com a dor do próximo, e é monstruoso ridicularizar ou condenar uma vítima.

Que todas os agressores possam ser punidos, que todas as vítimas recebam amor e que esta cultura do estupro, um dia chegue ao fim.

Que a violência contra a mulher seja mais combativa e denunciada. Que as penas sejam mais severas, boicotes as músicas que difamam a mulher. Foram tantas lutas para a mulher adquirir direitos e, a luta segue por espaços nesta sociedade machista, preconceituosa e por tantas vezes arcaica.

Por Ana, Maria, baianas, cariocas, paulistas, por aquelas que ficaram invisíveis pela sociedade, pelo direito ao usarmos o que queremos sem ser julgadas, por todas as mulheres deste planeta,pelo nosso corpo, exigimos respeito.

Não é somente pela jovem carioca de 16 anos, é por todas aquelas que foram humilhadas e vítima de tamanha barbaridade.

Nossa voz deve representar aquelas que já foram silenciadas por toda a brutalidade que ainda existe neste mundo.

Mulheres do mundo todo, unamo-nos!
Su Ferraz

terça-feira, 24 de maio de 2016

A vida de um ansioso

A vida de um ansioso


O coração dispara sem ter motivos específicos, faça frio ou calor, os pés e mãos estão gelados.

O presente por tantas vezes é esquecido dando lugar aos medos que o futuro apresentaria.Esquece do agora para viver as incertezas do futuro. Não faz isso por vontade própria, é algo que acontece e não tem como explicar.

Falta fé ao ansioso? Não. Ele tem fé e crê que crises momentâneas irão passar. Crê em dias que o presente será vivido no agora e que os medos não ocupará tanto espaço em sua vida.

Evite atrasos, suspenses, gritos, se possível, não desmarque compromissos em cima da hora porque você não imagina a angústia que o ansioso sofre a cada vez que algo desse tipo acontece.

Tem momentos que o sono foge, as lágrimas são frequentes, uma fome inexplicável toma conta da pessoa, a agonia com uma prova que será realizada em duas semanas, o pânico e o medo de como os outros irão analisar seu comportamento traz uma tristeza e a autoestima desaba.

E aquele resultado do exame que será entregue na terça, a agitação que antecipa a entrega de um presente ou uma mensagem fora da data esperada, a vontade de fazer milhares de coisas ao mesmo tempo .... coisas do mundo ansioso.

O ansioso tem bons sentimentos, trabalha, sonha, cria muita expectativa, tem um coração que busca tranquilidade e pulsa diversos tipos de sentimentos, é amigo ... e busca viver dias em que o medo não roube o sorriso, que os atrasos não tire a alegria de sair com os amigos, que as lágrimas não sejam constante, e que os que nos cercam entendam que somos humanos e limitados como qualquer semelhante.

Quando encontrar com um ansioso abrace-o ao invés de fazer sermões desnecessários, não questione sua ausência ou o desânimo em ir para uma balada, dê um afago e faço-o acreditar que o coração que vive em ritmo de escola de samba, um dia trabalhará ao ritmo do bossa nova.

Inspire e respire, tome um chá, pedale, procure acalento de um profissional e saiba que neste mundo você não está sozinho. Somos muitos que tentamos adequar as mudanças bruscas e por tantas vezes dolorosas deste mundo.



Suerlange Ferraz

quinta-feira, 19 de maio de 2016

A trava do olho alheio



Falta água e não procuramos a solução, mas sim os culpados. Muitos dos que culpam os órgãos competentes, são os mesmos que lavam as calçadas com mangueiras, tomam banho de meia a uma hora, deixam a torneira jorrando enquanto escova os dentes ...

Temos vizinhos que necessitam de alimentos e um agasalho,mas ao invés de oferecer ajuda, acusamos os governantes que não criam políticas públicas para os menos favorecidos.

Fura fila, não devolve aquele troco a mais que a moça do caixa te deu por engano, ocupa assentos destinados a gestantes e idosos, mas critica aqueles que furtam os cofres públicos. Pouco importa o valor, roubar é crime, lezar qualquer pessoa é uma forma de ser corrupto.

Ridiculariza os jovens que ocupam escolas a fim de ter uma escola pública e de qualidade, mas não ajuda os filhos nas atividades diárias ou vai a reunião de pais e professores.

Reclama das enchentes,mas joga seu lixo no primeiro "esgoto"que encontra pelo caminho.

Reclama dos ateus, mas não doa um pouco de seu tempo para mostar o Deus que tanto prega aos que necessitam de um conforto.

Reclama da corrupção no país, mas troca votos por promessas de emprego,combustível ou dinheiro.

Critica as letras de algumas músicas, mas em casa ensina ao filho a política de olho por olho e dente por dente.

Diz que deseja uma sociedade igualitária, mas se o ensino público for privatizado, não se importará porque tem dinheiro para custear os estudos do filho.

Vivemos em uma sociedade em que muitos cobram ou criticam;dizem que lutam por igualdade e respeito, porém em seus lares ensinam que a religião de matriz africana é demoníaca ou que os homossexuais não merecem respeito.

Devemos criticar, cobrar e nos impor diante do caos que assola a nossa sociedade. Também devemos exigir ética e seriedade dos nossos representantes, mas nunca devemos nos esquecer de que a sociedade é composta por todos os cidadãos que representam um país. Devemos ser a diferença em nosso meio social. Os pais devem ensinar respeito e limites aos filhos. E que possamos praticar o bem porque de hipocrisia o mundo está saturado.
Suerlange Ferraz

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Chegada das bandeiras, emoção e devoção em Poções-Ba



Nas primeiras horas da sexta-feira, a cidade é despertada pelos fogos, cantorias e o som da banda que entoa as velhas e marcantes marchinhas. O estourar dos fogos anuncia que é dia da Chegada das bandeiras.

Em Poções, diferentemente das outras cidades em que o padroeiro(titular) é o Divino Espírito Santo, não existe cavalhada entre cristãos e mouros, o que existe é uma cavalgada com milhares de pessoas, colorindo, emocionando e alegrando as ruas das cidades. O cavalgar dos animais, a multiplicação das pessoas na rua Vitória da Conquista, no centro da cidade e em frente da Igreja matriz demonstram a força da fé de um devoto.

Os moradores enfeitam suas moradias com flores, velas, faixas ou cartazes, soltam fogos, choram porque a emoção invade o coração, faz suas preces e agradecimentos, canta o hino e louva a Deus por permitir viver tamanha emoção que é revestida de alegria, saudades e aquele aperto no coração ao lembrar do devoto que já partiu e celebra junto com nós este momento.

Recordações e expectativa. Pagadores de promessa se vestem de anjos ou santos, ou seguem descalços em procissão, o cortejo vem descendo a "rua de conquista", seu Homero transmite aquilo que sentimos, muita emoção, e por onde a cavalgada passa a fé é renovada. A emoção ao beijar o estandarte do Divino, o choro ao recordar de quem fazia o mesmo, mas foi embora para outros lugares ou para a casa do Pai, sorrisos, famílias unidas saudando o Divino e sensação que a vida ficou mais alegre depois que a bandeira passou.

Somos devotos que com o coração entoamos e acreditamos que " Ele voltará de novo e que a fé seja infinita".

Uma simples bandeira? Lógico que não. A fé vai além daquilo que possamos ver, a fé vem da alma e é transmitida pela emoção, orações e vivência naquilo que crer. A bandeira do divino aquece a alma, alivia as aflições e traz renovações. É uma devoção que vai além dos limites geográficos. Dia da Chegada das Bandeiras é o momento de refletirmos o que somos e fazemos em prol do próximo, é o momento em que os nossos políticos deveriam interpretar minuciosamente cada letra do hino, lembrando-se sempre que a justiça deva prevalecer.

O próximos dias serão mais lindos porque a bandeira passou e espalhou esperanças.

Suerlange Ferraz

segunda-feira, 2 de maio de 2016

É maio! É o mês do Divino!

O frio chegou, trazendo os primeiros sinais do mês que se inicia. Maio não é um mês qualquer para os poçoenses, é a época em que uma festa é transformada em emoção, recordação, simbolismo, a fé e o frio dividem lugar com a expectativa de uma festa centenária. É o mês do Divino Espírito Santo!
É o período em que os devotos reservam para agradecer pelo ano vivido, destinado também as preces e promessas. É o momento em que os devotos, que aqui caminham, juntos se juntam a memória dos que partiram e de certa forma, louvam conosco. A cidade vive um clima diferente e, mesmo diante de tantos problemas que a população enfrenta, a esperança em dias melhores surge quando o hino ao Divino é entoado “Deus vos salve esse devoto /Pela esmola em vosso nome /Dando água a quem tem sede /Dando pão a quem tem fome, ai, ai/ A bandeira acredita/Que a semente seja tanta/Que essa mesa seja farta/Que essa casa seja santa, ai, ai /Que a fé seja infinita /Que o homem seja livre /Que a justiça sobreviva, ai, ai / /A bandeira segue em frente/Atrás de melhores dias”. As dificuldades, sofrimentos, dor não abalam a fé de um devoto porque ela é infinita. Diante do desânimo e medo que afligem os brasileiros, a música permite que acreditemos em justiça e um futuro melhor para se viver.
Que assim como os devotos, nossa fé seja renovada constantemente.
Flores e lágrimas, fé e emoção, diversão e música, frio e devoção: é a festa do Divino ou Festa de Pentecostes dando seus primeiros sinais. Quantos aguardam ansiosamente o estourar dos fogos anunciando que a Festa começou? O barulho dos cavalos no decorrer da chegada das Bandeiras já pode ser sentido na memória. De quem ficou, emoção; de quem se foi, saudade doída. As cores das bandeiras, o beijo coberto por lágrimas no estandarte. Para o povo, não é apenas uma bandeira é um símbolo da fé, momento de alimentar-se espiritualmente e deixar a emoção falar mais alto.
É Festa do Divino! Momento de admirar os artistas da cidade, aconchegar-se em meio a multidão que assiste as apresentações musicais no palco principal, prestigiar a Mostra Cultural, voltar a ser criança e se divertir nos parques e descobrir ou recordar o que é tradição. Em 2016, de forma especial,devemos conscientizar de toda a crise que nos afeta, crer que a transformação de uma cidade depende de todos nós, e como está escrito no hino, que a água nunca nos falte porque temos sede do líquido e também de melhorias, principalmente para os menos favorecidos.
A festa é mágica! Podemos vivenciá-la por uns cinquenta anos e sempre terá uma emoção diferente. Este ano, recordo de tantos devotos que acordavam cedo para enfeitar suas moradias no dia da Chegada das bandeiras, acordavam eufóricos com os estouros dos fogos nas alvoradas e no sábado, demonstravam sua fé na busca ao mastro, renovavam suas promessas e com lágrimas e entoavam o hino e já não estão mais por aqui, foram vivenciar sua fé no plano celestial. É época dos devotos espalhados pela dimensão terrestre, se juntarem espiritualmente para saudar o Divino.
Divino, renovai a nossa fé e proteja-nos dos males! Como eu sempre digo, depois que a bandeira passa, a vida é mais alegre e a fé é renovada.
Fé, esperança renovação! É a Festa do Divino!
Bem-vindo, maio!

Suerlange Ferraz

A saudade que habita em cada ser


Uma vez ou outra, a saudade chega e fica por horas ou para sempre. Às vezes é cruel e castiga o coração, em outras ocasiões alfineta a alma e as lágrimas são inevitáveis.

Saudades das brincadeiras da infância, dos lugares percorridos, dos que amamos, daqueles que partiram e não estão mais presentes fisicamente para amenizar a falta através de um telefonema ou abraço.

A saudade se faz presente nos dias chuvosos, no tempo que não permite o encontro com frequência dos amigos, nas tardes de domingo, nas canções, no envelhecer do ser e nas recordações que encontramos espalhadas em cada canto da casa. Saudade é amor em forma de lágrima ou um riso ao recordar de algo que nos fez feliz.
Aos que foram morar longe dos que amam, a saudade chega a qualquer momento, seja em forma de canção, no cheiro da comida, nas datas festivas, nos dias de solidão ou simplesmente nos dias em que o melhor lugar para estar era no ciclo de quem se ama.

Saudade também é vazio. Um vazio que parece ser substituído por algo, em certos momentos, mas é apenas uma ilusão.

Que permitamos diminuir a saudade quando for possível, através de ligações, carinho, mensagens, abraços, olhares.... e toda forma possível de amar.

E aos que partiram para o plano celestial, sempre estarão dentro de nós porque a saudade é um amor que fica em forma das recordações, cheiros, aprendizados, afeto e dos belos sentimentos que nos une a quem partiu.

A saudade é parte de nós, tem dias que é transformada em vazio doloroso e em outras ocasiões, em momentos de reflexão, alegria e desejos.

Abro a porta da cozinha, olho o quintal e fico a lembrar das goiabeiras que suportavam meu balanço, das margaridas que floriam minha infância e da delícia em achar que ali era o lugar mais lindo do mundo. Saudade tem forma de balanço e gosto de goiaba.

Saudades das tardes alegres da infância, do cheiro dos doces de leite e mamão, dos cafunés e de cada história contada pelos meus avós. O tempo castiga os que sentem falta de algo ou alguém.

Saudade tem forma, cor, tamanho, cheiro, melodia, endereço, nome e sobrenome. É sentimento nobre que chega sem fazer alarde e toma conta da gente.

Su Ferraz

Medo do futuro de uma nação




Pelo futuro dos jovens e das crianças, por um Brasil melhor, pelos meus interesses particulares, por minha família, pelos meus princípios religiosos, pelo fim da democracia…. eu voto sim. No dia 17 de abril de 2016, pudemos acompanhar como os representantes do povo, em sua ampla maioria, se comportam e pensam. Assistimos discussões sem argumentos, um circo armado na casa que deveria defender o povo, faltou ética, sensibilidade, respeito, conhecimento da história do Brasil e, principalmente decência com os brasileiros.

Engana-se quem acredita que defender a democracia é o mesmo que defender a bandeira de um partido. Democracia é o governo para o povo, onde é permitido manifestar e respeitar opiniões, lutar por causas, acreditar em um futuro digno para nós e para os que virão. A democracia foi ferida no último domingo quando ouvimos piadas, palavras preconceituosas, veneração de um torturador que deixou marcas dolorosas para a nação, e o pior de tudo foi ter visto que o brasileiro não tem representantes que pensem em um país melhor para todos e isso foi notório em discursos que enfatizavam os próprios interesses dos deputados. O Brasil virou uma piada no exterior e nós, cidadãos de bem, que temos crenças diversas, pagamos impostos caríssimos, nos viramos com o pouco, procuramos ser honestos em nosso dia a dia, jovens que encaram o mundo acadêmico e desejam mais investimentos em suas universidades e concursos, os menos favorecidos que vivem à mercê de sistemas de saúde e educação sucateados, os homossexuais que lutam por respeito, os negros que ainda sofrem com o preconceito racial, pelas crianças que ainda não entendem o que está acontecendo e por quem acredita em democracia surge o medo do futuro de nossa nação.

Coloco-me no plural para juntar-me a tantas pessoas que indagam e temem pelos dias que estão por vir. O que será de um país em que uma ampla maioria dos políticos não pensam nos brasileiros? Não são capacitados para assumir os cargos que a eles foram dados por pessoas que votam por protesto em figuras hilárias, tem votos comprados ( a política do cabresto ainda existe por vielas de muitas cidades). Políticos que ridicularizam o povo e sua história, somos roubados com a inflação ou com leis que tiram ou desejam tirar benefícios adquiridos pelos trabalhadores ao longo dos anos. Os nossos representantes ganham muito bem para aquecerem suas poltronas no Congresso e nas câmaras espalhadas pelo país, e uma parcela da sociedade sobrevive com um salário mínimo e alguns com bem menos do que isso.

O que sonhar para as crianças, jovens e os nossos filhos? Eu desejo ser mãe e quero um país decente para meu filho. Desejo que os brasileiros aprendam escolher seus representantes e que isso não seja feito porque ele é parente, líder religioso, participante do mesmo grupo que você, amiguinho, o bonitão do momento. Vote em prol de um país mais ético e com melhores perspectivas para viver.

Sejamos honestos porque a corrupção acontece em pequenas situações. Que os nossos jovens aprendam o valor de lutarem pelos seus sonhos, que os professores continuem tentando formar cidadãos críticos porque o estamos vendo é que falta seres politizados em nossa pátria, que emite aplausos para um torturador e deseja a volta da Ditadura Militar não estudou a história do Brasil de forma coerente e reflexiva. Desejo que os representantes religiosos no congresso parem de usar o nome de Deus em vão, lembre-se que Cristo morreu lutando por uma sociedade justa e das duras críticas que fazia aos corruptos da época, no domingo, vocês esqueceram a essência de uma religião e ridicularizaram o nome de Deus.

Votemos com o olhar voltado para o futuro, manifestemos com consciência e que não esqueçamos que os que virão podem sofrer com os nossos atos de fazer de conta que tudo está bom quando o silêncio rouba as vozes dos que temem pelo amanhã. É fácil defender um partido, difícil é defender a melhoria de uma nação. Que possamos ter um pouco de esperança e fé no amanhã, mesmo quando as forças contrárias teimam em tirar a nossa esperança. E que jamais nos esqueçamos daqueles que zombam e roubam o brasileiro. Os que possuem bom senso não devem se calar. Devemos acreditar que a voz do povo abala a estrutura de uma nação.

Suerlange Ferraz