sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Caminhos


Quando adolescente, eu sonhava em pegar as roupas que eu mais gostava, alguns pequenos objetos pelos quais tenho apego, colocá-los em uma mochila e sair por aí, sem rumo. Desejava ser uma exploradora do universo. Tornei-me adulta e muitos dos meus desejos ficaram guardadinhos.
Às vezes, leio algumas anotações que há anos eu rabisquei e li uma que estava numa folha amarelada que dizia "navegar é preciso". Comecei a entender o significado da frase no ano passado, quando procurei trilhar novos caminhos, navegar em novos rumos, deixar os pesos que tiravam meu ânimo em algum lugar. Naveguei em livros, filmes, encontros, escritos, viagens, em sorrisos e abraços. A cada passo dado, volto com certa leveza e com o sorriso mais largo.

Resolvi navegar, fui passear na Ilha de Paquetá e me lembrei da frase, da janela da barca, sinto o carinho que o vento faz em meus cabelos e fico a pensar o quão necessário é navegar, avançar barreiras, buscar essa tal felicidade e viver bem e de maneira que viver realmente valha à pena.
Na Ilha, uma tranquilidade gostosa de sentir e que fez tão bem ao espírito. Deitar em uma rocha, contemplar o céu e ouvir o barulho das folhas das árvores ou do canto dos pássaros e ter o Sol como companhia. Tenho a curiosidade de uma criança e me encanto com coisinhas simples. Eu amo pedalar, e a táxi-bicicleta me deixou fascinada, assim como a gentileza das pessoas em oferecer informações. À noite, chuva, trovões, música, conversa, pão, pizza e excelentes companhias.
Tenho aprendido que viajar é uma forma de navegar por novos caminhos. A cada viagem, navego nos detalhes de um lugar, na felicidade dos novos encontros e me esbarro na fé de tanta gente.
Viajar é reverberar, aconchegar a alma, encher os pulmões de novos ares e a mente de novas histórias. Certo amigo me disse que é bom ter uma âncora e um porto seguro. Não discordo, mas sair do seu lugar e procurar novas experiências tem sido um alento para minha vida.

Su Ferraz

Pedrinho, o picolé e o amor




Pedrinho, o picolé e o amor

Olha o picolé! Só custa R$1,00! Vai um aí? E entoando essas frases, Pedro passa manhã empurrando seu carrinho com picolés por algumas ruas do centro da cidade.
Pedrinho, como é chamado, tem onze anos, negro, baixinho, tagarela, mora em um bairro periférico da cidade e estuda a tarde. O menino desperta muito cedo. Todos os dias às 05h30min está de pé. Quando acorda não encontra mais a mãe em casa, porque ela já havia partido para o trabalho, mas sempre encontra o café fresquinho e bolachas, raras vezes tem pão sobre a mesa.
Dona Lourdes, a mãe de Pedrinho, tem mais quatros filhos. Guinho, o mais velho, faleceu aos 16 anos e se estivesse vivo já teria 25. Foi vítima de bala perdida enquanto entregava pizza em um bairro de São Paulo. Marta tem 23 anos e Ana 22 anos, ambas partiram rumo a capital paulista para tentarem uma vida melhor, a primeira trabalha em um escritório, e a segunda, na casa de um importante médico da cidade de Esmaltina. Seu Jeremias, esposo de Lourdes, saiu de casa quando Pedro tinha apenas dois anos, partiu para o sul do país atrás de trabalho e nunca mais voltou. A única coisa que enviou à família foi uma carta em que dizia ter encontrado uma companheira, estava bem e amava os filhos.
Com a dor do abandono, dona Lourdes via em seus filhos motivos para ter esperanças. Ela chorou durante anos pelo companheiro que se foi e todas as noites derrama lágrimas pela partida prematura do filho. Para garantir o sustento da família, ela pegava trouxas de roupa para lavar, dava faxina em casa, fazia cocadas para que suas filhas pudessem vender no portão da escola do bairro, catava algumas latinhas de alumínio em festas e faz mais de dois anos que trabalha na casa da família Amarilis.
A mãe de Pedro trabalha das 6:00 até às 15: 00 hs, de segunda à sexta e ganha R$ 850,00. Lava, passa, cozinha, faxina, limpa a casinha dos cinco cachorros da família e sempre está escondida nos últimos cômodos da casa. Faz alguns dias que ouviu a sogra de sua patroa dizer que, realmente o lugar de negro é na cozinha, ao comentar que seu sobrinho neto estava na fase de aderir à moda e resolveu afrontar a família ao namorar com uma pretinha do cabelo ruim. Lourdes se recolhia em pensamentos e recordava de quão humilhada foi ao sofrer preconceito racial na infância e adolescência. Quando seu marido foi embora, algumas vizinhas mexeriqueiras a apelidaram de a “neguinha que o marido não quis”.
Não existe um só dia em que ela não se preocupe com o filho. Tem medo que Pedro sofra com a exclusão do mundo e fosse infeliz. Pedrinho vende picolés para ajudar na renda familiar, tem dificuldade de aprendizagem e lê com muita dificuldade, mas sabe fazer cálculos, fato que o ajuda nas vendas. O garoto tem uma mega disposição para conversar durante as aulas. Descobriu estar apaixonado por uma colega cujo apelido é Cacau, mas ela o menospreza por causa de sua cor.
Esse negócio de amor platônico deixa o coração mais sensível e ferido quando a pessoa que queríamos que habitasse dentro dele o esnoba. Pedro sabe que Cacau não quer nem ao menos sua amizade, por ele ser pobre e negro, entretanto mesmo sendo rejeitado ele procurava ser gentil com a coleguinha. Foram incontáveis as vezes que Pedrinho gastava o pouco que ganhara em uma manhã exaustiva de vendas, para comprar doces para a menina que o encantava. Ela recebia o mimo e com ar de superioridade o agradecia.
Pedrinho têm olhos graúdos e um bom coração. Sabe que o amor por Cacau dificilmente seria correspondido, ele é zombado por causa de suas roupas que às vezes apresenta furinhos ou são remendadas. A menina rir das sandálias, maiores que os pés do colega, e o pobre garoto guarda as lágrimas para molhar seu travesseiro a noite; além de passar horas pensando se algum dia viveria um amor correspondido, mesmo sendo pobre e negro. Cacau destroçava aquele coração carente, não por não amá-lo, e sim por esnobá-lo por sua cor e condição social.
Pedrinho e Dona Lourdes, dois sobreviventes das dores que aparecem pelo destino. Uma batalhadora, o outro, um pequeno vendedor que nutre o sentimento por uma menina que o despreza. Uma mãe que sonha em ver pelo menos um de seus filhos com diploma, e o menino que deseja casar, ter dois filhos, ficar rico para ajudar os necessitados. Duas das tantas vítimas de preconceitos espalhados por aí. Afinal, ser da periferia e negro neste país é saber lidar com a labuta e buscar construir o seu espaço arduamente neste mundo tão desigual.

Suerlange Ferraz

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

O Hippie e o Feirante




Era uma tarde ensolarada de segunda-feira e eu passava apressadamente por uma praça, quando ouvi alguém me chamar. Olhei para trás e avistei alguns hippies e seus artesanatos. Fernando, o hippie que me chamou, disse para eu não temê-lo e olhar suas artes. Dizia que ainda não havia almoçado e que precisava vender algo para garantir um rango.
Pelo sotaque foi possível saber que o moço era carioca. Um cara de 21 anos, dos quais 5 provavelmente foram passados na estrada. Não uso brincos de penas e para sua sorte, e a minha, eu precisava comprar um presente para uma amiga. Digo minha sorte, porque considero de suma importância conhecer pessoas e dialogar com elas. Sinto uma enorme necessidade de estar em contato com gente e absorver um pouco do conhecimento de cada novo ser encontrado neste universo.
Fernando era bom de papo, com um sorrisão largo relatava as suas experiências pelas ruas do país. Perguntei se ele era feliz com a opção escolhida e me perguntou se eu o achava um fracassado e sorriu. Lógico que não o acho! Acredito que existem diversas formas de nos realizarmos.
O hippie comentou sobre uma frase tão patética que diz: "se tudo der errado, viro hippie" e com uma felicidade que era nítida em seu olhar, afirmou que ele não era um rapaz fracassado, pelo contrário, era um jovem realizado com sua escolha. Naquela tarde, Fernando me ensinou que eu ando buscando a felicidade em lugares muito distantes. Talvez eu não esteja valorizando os pequenos gestos ou momentos singelos.
Na mesma semana, fui à feira e quando estava retornando para casa, um feirante com algumas vagens de feijões parou em minha frente e perguntou se eu havia comprado feijão verde. Respondi que não queria. Ele disse que custava R$3,00 e “dibuiava” na hora. Resolvi mudar de ideia por causa do ótimo preço do produto e por achar interessante essa ideia de dibuiar na hora. Creio que o feirante deveria ter a mesma idade do hippie e ambos demonstravam estar felizes com o que fazia.
Fiquei encostada na barraca olhando a labuta daquele cara, que sorrindo dizia que levaria uns minutos para eu ter o meu feijão. Conversamos sobre o poder de transformação que a chuva possui e o valor exorbitante da banana da terra e da alface. Está difícil seguir as orientações médicas e manter uma alimentação saudável. Depois de alguns minutos, saí da barraca feliz e com o meu feijão verde.
Ao chegar em casa, fui refletir sobre esses bons encontros que a vida havia me proporcionado ao longo da semana. Talvez eu não veja mais os dois homens, mas o que eles me ensinaram em poucos minutos de prosa foi marcante.
Era necessário repensar sobre meu conceito de felicidade, procurar me desapegar de objetos que não acrescentam nada de significativo em mim. Ter um guarda roupa repleto de roupas não é sinônimo de felicidade. Andar constantemente maquiada não traz uma beleza que contagia alguém. Existem pessoas com uma beleza tão linda, não digo a física, mas aquela que é capaz de transmitir tranquilidade, é a beleza que brota da alma.
Virou rotina encontrar pessoas que acham que a felicidade é vestir-se com roupas caras, tomar banho com perfumes importados, mostrar ao mundo que está feliz postando dezenas de fotos em redes sociais ou fingir que tudo é lindo e perfeito para agradar e ser bem aceito em grupinhos. Não consigo acreditar que a felicidade faz morada em criaturas que vivem em prol das aparências.

Creio que o dinheiro não é capaz de fazer que alguém fique plenamente feliz, ele é necessário, mas não compra a felicidade completa de ninguém. A felicidade e a simplicidade são adjetivos que deveriam nos acompanhar em todos os momentos da vida. Deveríamos enxergar a necessidade de alguém e procurar amenizar a situação, mas raramente nos importamos com as angústias do próximo. Precisamos exercitar tudo aquilo de mais bonito que a religião pôde nos ensinar, porque se os religiosos se prenderem a julgamentos cruéis e virarem advogados de acusação nas redes sociais ou em qualquer outro lugar, lamento, mas eles precisam reavaliar a maneira de expressar sua fé.
Vamos nos despedir das nossas mesquinharias? Esvaziar nossos corpos de arrogância, preconceitos e deixar de lado o condenador que mora aí, dentro de você? Eu topo!
Desejo perfumar a alma a cada nascer do sol, não maquiar os meus sentimentos e crer que mesmo nos dias mais tempestivos preciso aprender, ou torna-me uma fênix, ressurgir e buscar minha felicidade naquilo que faz com que meu corpo flua e minha mente capte o essencial para ser feliz.
É necessário trocar os verbos, abandonar o ter, e saber ser. Respirar compaixão e distribuir solidariedade. É essencial saber ouvir e delicioso tirar proveito de uma conversa. Que os encontros com quem amamos sejam frequentes e numa roda de conversas, a simplicidade que emana dos reencontros seja traduzida em felicidade.
Eu sei que preciso passar por modificações. O feirante e o hippie, através daqueles sorrisos largos, brilho nos olhos e simplicidade na alma, me ensinaram que tenho que enxergar muito além do que os meus pequeninos olhos já puderam ver nestas décadas de existência.
Andar por aí, contemplar a infinidade de belezas naturais, entender que existe uma necessidade de se pensar no coletivo e jamais esquecer que não vivemos em um país das maravilhas, mas nem por isso podemos deixar de sonhar.


Suerlange Ferraz