quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Os medos que assombrava minha infância




Fui uma criança e adolescente medrosa, e na vida adulta, alguns medos sondam minhas noites. Por ter convivido com avós, tias avós, tias e uma mãe cheia de crendices, ouvia muitos casos sobre aparições de seres misteriosos nas noites de semana santa, almas que vagam pelas ruas da cidade ou na zona rural. Sofri com o medo que as conversas causavam em mim.
Os medos da minha infância vinham em forma de lendas. A Semana Santa era época de profundo silêncio e das comidas deliciosas. Tempo de sair pelas casas dos parentes e padrinhos pedindo bênção. Também era a época que eu mais sentia medo porque os seres mais assustadores estariam soltos nas ruas de Poções. A mulher de branco, o lobisomem, a cachorra Helena que devorava as crianças desobedientes e outros colegas assustavam as crianças da rua de Conquista. Nas bandas da famosa rua do "Feijão Sameado", segundo reza a lenda, habitava um senhor que nas noites que antecediam a sexta feira santa, comia os gatos e transformava-se em lobisomem. Quanto medo eu tinha daquele homem. Ele tinha um olhar estranho e, segundo meu pai, quando o senhor começava o processo de transformação, as orelhas esticavam e os olhos ficavam arregalados, era necessário muitos homens para conter a força sobrenatural dele. Realmente, os gatos da vizinhança sumiam neste período de semana santa
Toda vez que eu aprontava algo, minha mãe gritava “vou mandar Raimundinha te pegar!” e logo as lágrimas surgiam. Oh, céus! A figura daquela criaturinha me causava um medo que fazia com que meu coração acelerasse toda vez que eu a encontrava. Ela era magrinha, corcunda e usava uma popa no cabelo, tinha um olhar que me assustava e eu ficava arrepiada quando ouvia seu nome. Várias crianças sentiam o mesmo medo que eu. Fiquei tão aliviada quando Raimundinha partiu para outra cidade.
A rasga mortalha era um dos meus maiores medos da infância, segundo as pessoas mais velhas da minha família, quando essa ave passava pela redondeza era sinal de que alguém haveria de falecer, ela emite um barulho que parece um pano sendo rasgado, era um ser agourento. Por muitas vezes, ficava imaginando o quão horrorosa deveria ser esse animal e, depois de assistir um programa, descobri que a tal da rasga mortalha é uma coruja branca. Eu sempre digo que esse fato é mito, mas os mais antigos são cheios de crendices e tem convicção que a ave traz energia negativa e avisa que a morte chegará para alguém da casa que ela sobrevoar.
Outro medo eram as almas penadas, Meu Deus! Como eu tive medo na infância e adolescência. Uma tia avó e minha mãe contavam casos arrepiantes, perdi as contas de quantas vezes elas diziam ter sido atacadas por almas penadas, as histórias poderiam ser enredos para um filme de terror. Era a mulher de um compadre que faleceu e não descansou, então resolveu perturbar a vizinhança; outro que assombrava os animais nos quintais; e, eu tinha taquicardia a cada “causo de terror” contado por aquela tia. O medo era tão grande que eu sempre dormia com a luz do quarto acessa, qualquer barulho já era motivo para ficar assustada. Quantas vezes eu sentia um ventinho em meus pés e achava que era alguém tocando nele, deve ser por isso que sempre durmo com meias. Cheguei a dormir com uma pequena cruz embaixo do travesseiro, deixava a Bíblia próximo a cama e a luz sempre acessa, acreditava fielmente que este ritual afastaria a alma que por ventura quisesse me assustar, até que um dia eu pensei, se o defunto fosse ateu, os objetos religiosos não o espantaria (risos).
Os medos nossos de cada dia. Sinto falta da criatividade do pessoal que me acompanhou durante a infância, os medos eram frutos de mentes férteis e responsáveis por estórias mirabolantes. Convivendo com crianças, percebo que a infância deles não tem um saborzinho de mistério, fantasia, criatividade, e outras coisas que a vida ofereceu a galera da minha geração.


suerlange Ferraz

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