sábado, 25 de novembro de 2017

O mundo ansioso de Laura




            


         

            Esticada  em uma cama, olhos arregalados, pingos d'água batem no teto, gatos fazem maratona sobre o telhado, e o tic-tac ao lado da cama registra que já se passa das 3 da manhã. É mais um dia em que a insônia rouba o sono de Laura.
             A dona insônia é causada devido às crises de ansiedade. Há anos ambas acompanham a vida de Laurinha. Agitada, acredita que o dia tem poucas horas para realizar tudo o que ela tem a fazer. Sua vida é recheada de adrenalina, mas, por tantas vezes, o seu coração é sufocado por taquicardia, seus pés e mãos viram pequenos icebergs; em seu estômago, as borboletas fazem  danças em ciclos.
   E o presente?  Raramente ele é vivenciado, porque  o senhor futuro chega e se apossa do seu cérebro.  A ansiedade faz com que seu ombro doa e sua respiração fique tensa. Durante o dia, nos pequenos olhos de Laura, é visível o cansaço e a tristeza de uma noite mal dormida. A falta de sono a deixa mal-humorada e irritada. 
   Para muitos a ansiedade é frescura, mas para quem sofre com tal problema, é  doído. Imaginem um coração disparado na velocidade em que um  atleta participa de  uma corrida. Pensou? O coração do ansioso vive assim, no ritmo de uma escola de samba.
            O tempo, tão conjugado no futuro, os medos tão presentes, a agonia dilaceradora e poucos abraços para acolhê-la. Quando o peso recai sobre seus ombros a mocinha desaba em lágrimas e, às vezes, para afagar a alma ela toma um chá quentinho.
 Seu quarto é o refúgio. Na cama, pensa no tempo. De vez em quando seu cachorrinho aparece na porta e resolve fazer-lhe companhia. Ele sabe afagar sua dona.
            Laura perdeu a conta de quantas vezes sentiu que estava incomodando uma reunião familiar, ou entre amigos. Sente-se como uma sobra no meio de uma multidão. 
       Quando o dia faz um convite para apreciar o pôr do sol, Laura costuma pedalar. O vento em seu rosto a deixa feliz. O contato com o mar também a acalma. É como se nas águas ela deixasse um pouco dos excessos da vida.
 Ser ansioso  em um mundo com preconceitos é sofrido. Laura sente que seu problema é visto com indiferença por algumas pessoas. Mal sabem elas que a irritação com pequenos ruídos, ou os ataques de pânico, não é uma questão de escolha. Acontece!
Laura, querida! Amanheceres mais felizes ão de chegar. O sono que fugiu de ti há de retornar, e a leveza preencherá o coração angustiado. Sua cabeça que é conectada com o mundo e pouco para pra descansar, e a insônia que rouba suas energias, um dia se aposentarão, e você sorrirá e viverá cantarolando pelos caminhos do povoado de Ioiô.

Suerlange Ferraz

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Tempos das águas




Quando cai uma gota d’água no chão, o sertanejo faz festa. Durante duas quartas-feiras choveu em Poções. A formação da chuva, o cheiro de terra molhada, a escuridão do céu e a agitação do povo é sinal que a qualquer momento as águas se desprenderão do céu e lavará as ruas da cidade.
A chuva devolve a alegria ao homem do campo. É hora das formigas de asas fazerem visitas às casas, e de tanques, rios e barragens encherem. Época para abrir as covas e fazer plantações. Os milhos já apareceram na feira, às hortaliças estão verdes e mais saborosas, as noites mais calmas, devido aos barulhos que a chuva faz ao cair sobre o telhado. O pé de seriguela do meu quintal está carregado, as frutinhas já estão crescidas e o verde das folhas se mistura com as pequeninas flores vermelhas. As romãs estão grandes. Pelo muro vejo a mangueira no quintal da vizinha, está atulhada e as mangas aparentam ficar enormes e suculentas.
Tão necessário é ter leveza na vida. As noites chuvosas, doces e adoráveis companhias de uma criatura que convive com a insônia e vê a vida passar ansiosamente, sempre me traz ensinamentos. Tenho aprendido que a felicidade é algo simples, ela pode estar presente em uma conversa na casa de uma amiga, acompanhada de um café e uma espiga de milho cozido; ou, na rua, vendo estrelas, abraçando a vida e trocando palavras com quem nos faz bem. Aliás, ela pode marcar presença em qualquer lugar em que o coração se sinta bem e aconchegado.
As águas limpam as ruas. É tempo de limpar o coração, o guarda-roupa, a casa e os pensamentos. Tempo de ser leve, de entender que excesso de vestimentas não é sinônimo de felicidade. Momento de desintoxicar o coração, este lugarzinho por onde passa diversos sentimentos e têm dias que ele pesa e dói. Para alguns escritores ele até sangra quando está sofrendo. A cabecinha também necessita de cuidados, ela que gira igual à roda gigante, precisa de manutenção para funcionar direito.
A chuva me acalma igual às canções de Oswaldo Montenegro. Ela me nina e faz com que eu durma tranquilamente. Traz alegria para a vegetação. Veja o quão transformadora ela é! Em questão de dias o que eram galhos secos sai de cena, dando espaço para plantas verdinhas e estradas floridas. As lavadoras de roupa entoam seus cantos próximo aos pequenos rios, e os pássaros dançam no céu.
É tempo das águas, tempo de retirar os excessos e purificar a alma, tempo de se alegrar com o pingo d’água igual ao homem do campo e, se possível, brincar embaixo da chuva ou olhar as águas correndo na rua através da janela. Se por ventura faltar luz, acenda uma vela. Coloque-a na sala, sente-se no sofá ao lado da família e proseie.
Coisa mágica é a chuva! Alegra o pobre e o rico, promove reflexões, causa preocupações aos mais carentes e reúne a família. Momento em que a percepção dos sentidos é aguçada e atitudes simples como olhar para o céu, sentir o vento bagunçar o cabelo e a água molhar o rosto acabam se tornando as sensações mais gostosas que alguém pode sentir. 
Suerlange Ferraz