quinta-feira, 25 de agosto de 2016

E essa geração?

Depois de mais um dia de trabalho, estava voltando para casa e um pouco a minha frente seguiam alguns jovens estudantes. Eles dialogavam e diziam que estudar é muito chato e só vão a escola porque são obrigados. Confesso que naquele momento não me surpreendi com a fala deles, não tive surpresa porque diariamente escuto de muitos alunos a mesma afirmação.
Segui meu trajeto relembrando os anseios que eu e meus colegas tínhamos em um passado não tão distante. Acreditávamos que éramos capazes de sermos agentes transformadores da nossa realidade, no meu clico de amizade, a riqueza não imperava. Nas rodinhas de conversa, os assuntos eram variados. Sempre estávamos antenados com o que acontecia no mundo. Recordo dos diálogos sobre os atentados terroristas no dia 11 de setembro de 2001, nos EUA; eu e meus colegas estávamos sentados nos banquinhos que tinha no corredor da Escola Municipal Luis Heraldo D. Curvelo (antigo CENEC). Acredito que aquela geração que eu fiz parte na adolescência, cresceu com um espírito revolucionário e que não permitiu o contentamento com um sistema opressor.
Convivo com uma geração em que as futilezas e a tecnologia tem privado as crianças e adolescentes de ter um contato maior com a natureza; de interagir com o vizinho, de confeccionar seus próprios brinquedos, de compartilhar opiniões em uma roda de amigos. E, existe uma geração que é privada de lazer porque precisa trabalhar para ajudar na renda familiar, são os pequenos trabalhadores. Enquanto a mesa de uns é tão farta; na casa do outro, nem sempre tem mesa e muito menos fartura. Existe um egoísmo tão presente em nosso meio, é aquela história de que o problema do outro é só dele, mas a miséria é um problema de todos. Não é o governo que é o responsável por sanar a fome daquele cidadão que bate a sua porta, naquele momento você se torna um agente transformador na vida daquele ser humano. Quando fico mais de três horas sem comer algo, me sinto mal, imagine quem tem dez ou doze horas sem comer. A sensibilidade não pode sumir do nosso meio.
A geração em que eu estou vivendo tem optado, em sua grande maioria, em viver silenciosamente diante dos desmandos de muitos políticos corruptos e o que mais me causa espanto é saber que uma parcela da elite intelectual troca votos por cargos, esquecendo-se de visar o coletivo, enquanto, os excluídos da sociedade ofertam seus votos em troca de uns trocados ou alguns quilos de alimentos. Lamento ter que ler postagens pedindo a volta da ditadura ou professores que defendam a escola sem partido. Poxa! Não consigo imaginar eu dando aula e sendo privada de expressar minhas opiniões. Escola tem que ser democrática!
Espero que seja ilusão minha, mas tenho percebido que muitos jovens que ocupam os bairros mais humildes estão deixando de sonhar e buscar uma vida melhor. Estão se conformando com o emprego que tem, ganham menos que meio salário mínimo, trabalham mais de oito horas diárias e estão “satisfeitos”. Não era para ser assim. Sonhar alimenta a alma. É uma geração que elege um jogador milionário como herói, mas não se interessam pela história dos verdadeiros heróis dessa nação. O Brasil não é o país do futebol, é uma nação com mil maravilhas, um povo alegre e batalhador, ao menos tempo, é um lugar que a violência rouba o nosso direito de ir e vir; a estupidez presente em certos discursos que enaltecem o militarismo enquanto forma de governo. Um país em que a cada amanhecer é noticiado um corte na verba da saúde, na educação e cultura; é professor sendo espancado por lutar por seus direitos; é seu Joaquim que faleceu esperando um atendimento no corredor de um hospital; abraços e afeto, lá vem aqueles políticos que aparecem de caju em caju.
Essa geração que ainda não aprendeu a respeitar a fé do outro; não sabem diferenciar política de politicagem; necessidade de futilezas.
Caros pais, as crianças não devem ser educadas achando que não necessitam do próximo ou sem limites, elas devem aprender no seio familiar, bons princípios e educação, não depositem isso no educador. Coisa linda é presenciar crianças sensíveis, que respeitam os próximos, os animais e a natureza.
E essa geração? Ela ainda precisa descobrir que acumular fortunas não é a maior riqueza de um humano, deveria entender que é injusto sobrar comida em um lar ao mesmo tempo em que milhares de pessoas morrem de fome; e, silenciosamente deve-se estender a mão a um necessitado. Ah, queridos porteiros do céu, religião e falsos testemunhos não salvam ninguém. Essa geração passa por um processo de desconstrução dos valores, o que a meu ver, é grave.

Suerlange Ferraz

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

As doenças que afetavam as crianças do interior








Durante uma viagem, acompanhada por duas amigas, ríamos ao recordar de como era sofrido ter algumas doenças na infância. Lembrávamos das impingens (impinjas), das cicatrizes enormes que marcavam nossas pernas devido às estripulias, dos piolhos que invadiam nossos cabelos e dos remédios que as mães usavam para amenizar os nossos sofrimentos.
Quantas crianças sofreram com a invasão de piolhos em suas cabeças? Sei que não foram poucas. E quantas sobreviveram ao terem suas cabecinhas mergulhadas no “bofo”, veneno usado para matar formigas? Centenas. Quantos relatos de coleguinhas que vivenciaram essa situação. Era um verdadeiro ranger dentes, quando a mãe jogava o produto no cabelo, colocava uma sacolinha e depois uma touca e ainda avisava “Se passar a mão na cabeça e depois coçar os olhos, já sabe, vai ficar cega!”, era um sofrimento sentir aquela batalha pela sobrevivência no couro cabeludo e não poder dar uma coçadinha para melhorar a agonia. Queridos, o escabim não tinha chegado ao interior e não pensem que a existência dessas criaturinhas era devido a falta de higiene, é que sempre aparecia um colega infestado e acabava transmitindo aquelas praguinhas para os companheiros de classe.
As impingens ou impinjas, em muitos casos, eram tratadas com pólvora e limão, e nada de passar próximo a um fogão, o medo daquele produto entrar em contato com o fogo e explodir era enorme. Os remédios caseiros era a salvação de muitos pais. Eram feitos com ingredientes super secretos, e caso os doentes descobrissem, a enfermidade poderia piorar.
Para aquelas crianças com “boqueira” nada que um pião roxo não solucionasse. Um cansaço sobrenatural era sintoma de mau olhado e uma boa benzedeira resolvia numa rapidez, a querida e saudosa dona Alvina me livrou de muitas espinhelas caídas e da mufina (cansaço, indisposição muita preguiça e desanimo). Segundo o relato de uma amiga, ela lembra que ao sentir dor no estômago, sua mainha a levava numa rezadeira e ela media a espinhela com uma linha, no antebraço e no ombro.
A caxumba ou a “papera/papeira” era outra doença terrível. Os pescoços pareciam paredes com reboque devido a tanta cinza ou casinha de João de Barro, precisávamos de ajuda dos pais para nos locomovermos. Eu fui vitimizada por esta doença. Passei dias enclausurada, assistindo desenhos e em repouso absoluto. Quando os colegas e os vizinhos sumiam por algum tempo, eu já imaginava que eles também estavam com os pescoços imobilizados. E ainda tinha os banhos com ervas medicinais.
Não tive catapora e sarampo. Sofri com quedas e levo marcas nas canelas, braços e joelhos de aventuras ao tentar subir no “pé de manga” ou “no pé de goiaba”. Março ou abril era tempo de saborear as seriguelas e os tombos estavam garantidos. Depois de algum tempo, fiquei medrosa e não me arriscava a subir em nenhuma árvore.
Voltar da escola após um dia chuvoso, brincar nas poças de água e não se importar com o resfriado ou com doenças e caso a gripe aparecesse, aquele xarope caseiro, bem docinho, era o melhor remédio. A vida era muito boa porque não existia tanta responsabilidade e as coisas prazerosas vinham da natureza.
Sempre acreditei que é muito prazeroso viver em cidades interioranas, a sensação é que a vida passa em um ritmo mais delicado, proveitoso e com vivências incríveis. As pessoas mais idosas são cheias de crenças, ainda é possível sair por aí pedalando e admirando o por do sol, conversar nas filas e fazer boas amizades. Lamento por saber que as crianças da contemporaneidade ficam presas em casas, reféns de jogos e celulares, e não saberão a emoção de ter uma espinhela levantada ou a alegria de chegar num topo de árvore para pegar a fruta desejada, muito menos, a felicidade de se alegrarem com as brincadeiras simples, mas que significavam muito nos anos que se passaram.
Suerlange Ferraz

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Os medos que assombrava minha infância




Fui uma criança e adolescente medrosa, e na vida adulta, alguns medos sondam minhas noites. Por ter convivido com avós, tias avós, tias e uma mãe cheia de crendices, ouvia muitos casos sobre aparições de seres misteriosos nas noites de semana santa, almas que vagam pelas ruas da cidade ou na zona rural. Sofri com o medo que as conversas causavam em mim.
Os medos da minha infância vinham em forma de lendas. A Semana Santa era época de profundo silêncio e das comidas deliciosas. Tempo de sair pelas casas dos parentes e padrinhos pedindo bênção. Também era a época que eu mais sentia medo porque os seres mais assustadores estariam soltos nas ruas de Poções. A mulher de branco, o lobisomem, a cachorra Helena que devorava as crianças desobedientes e outros colegas assustavam as crianças da rua de Conquista. Nas bandas da famosa rua do "Feijão Sameado", segundo reza a lenda, habitava um senhor que nas noites que antecediam a sexta feira santa, comia os gatos e transformava-se em lobisomem. Quanto medo eu tinha daquele homem. Ele tinha um olhar estranho e, segundo meu pai, quando o senhor começava o processo de transformação, as orelhas esticavam e os olhos ficavam arregalados, era necessário muitos homens para conter a força sobrenatural dele. Realmente, os gatos da vizinhança sumiam neste período de semana santa
Toda vez que eu aprontava algo, minha mãe gritava “vou mandar Raimundinha te pegar!” e logo as lágrimas surgiam. Oh, céus! A figura daquela criaturinha me causava um medo que fazia com que meu coração acelerasse toda vez que eu a encontrava. Ela era magrinha, corcunda e usava uma popa no cabelo, tinha um olhar que me assustava e eu ficava arrepiada quando ouvia seu nome. Várias crianças sentiam o mesmo medo que eu. Fiquei tão aliviada quando Raimundinha partiu para outra cidade.
A rasga mortalha era um dos meus maiores medos da infância, segundo as pessoas mais velhas da minha família, quando essa ave passava pela redondeza era sinal de que alguém haveria de falecer, ela emite um barulho que parece um pano sendo rasgado, era um ser agourento. Por muitas vezes, ficava imaginando o quão horrorosa deveria ser esse animal e, depois de assistir um programa, descobri que a tal da rasga mortalha é uma coruja branca. Eu sempre digo que esse fato é mito, mas os mais antigos são cheios de crendices e tem convicção que a ave traz energia negativa e avisa que a morte chegará para alguém da casa que ela sobrevoar.
Outro medo eram as almas penadas, Meu Deus! Como eu tive medo na infância e adolescência. Uma tia avó e minha mãe contavam casos arrepiantes, perdi as contas de quantas vezes elas diziam ter sido atacadas por almas penadas, as histórias poderiam ser enredos para um filme de terror. Era a mulher de um compadre que faleceu e não descansou, então resolveu perturbar a vizinhança; outro que assombrava os animais nos quintais; e, eu tinha taquicardia a cada “causo de terror” contado por aquela tia. O medo era tão grande que eu sempre dormia com a luz do quarto acessa, qualquer barulho já era motivo para ficar assustada. Quantas vezes eu sentia um ventinho em meus pés e achava que era alguém tocando nele, deve ser por isso que sempre durmo com meias. Cheguei a dormir com uma pequena cruz embaixo do travesseiro, deixava a Bíblia próximo a cama e a luz sempre acessa, acreditava fielmente que este ritual afastaria a alma que por ventura quisesse me assustar, até que um dia eu pensei, se o defunto fosse ateu, os objetos religiosos não o espantaria (risos).
Os medos nossos de cada dia. Sinto falta da criatividade do pessoal que me acompanhou durante a infância, os medos eram frutos de mentes férteis e responsáveis por estórias mirabolantes. Convivendo com crianças, percebo que a infância deles não tem um saborzinho de mistério, fantasia, criatividade, e outras coisas que a vida ofereceu a galera da minha geração.


suerlange Ferraz