terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A Espera do Natal




Para quem acha que cabelos cacheados não necessitam de cuidados, lamento informar, mas você está completamente enganado. Têm dias que os cachos estão super revolucionários e querem ocupar mais espaço do que o normal. Quando isso acontece tenho que ir ao salão, e meu cabelo estava em um desses dias de rebeldia, por isso tive necessidade de fazer uma visita a minha cabeleireira.
O salão de beleza é um espaço propício a reencontros, conversas, atualizações dos últimos acontecimentos na cidade. É um lugar em que pessoas são apresentadas àquelas que até então eram desconhecidas e muitas estórias surgem por ali.
De todas as pessoas que já vi naquele salão, uma senhora, creio que era uma cliente novata, chamou a minha atenção. Enquanto eu tomava um cafezinho e esperava a vez de ser atendida, a mulher que aparentava ter em torno dos seus quarenta anos, tirou o lenço laranja que cobria o cabelo e dizia desejar que ele fosse liso. O cabelo dela era crespo e ela o achava feio.
Uma cliente ressaltava a beleza dos cachos e tentava convencer a senhora a deixar o cabelo natural, mas dona Ana era irredutível e queria a escovinha. Era a primeira vez que ela passaria por este procedimento na vida e pensava que ao escovar os cabelos,seus fios sofreriam uma transformação e ficariam lisos para sempre. Ao ser avisada que este milagre não aconteceria, ela foi consultar o esposo que pensava igual a sua companheira. Foi um esforço para a cabeleireira explicar como seria o procedimento que iria realizar, e depois de muita conversa a escovinha começou a ser feita.
Essa senhora dizia que queria se arrumar para esperar uma filha que mora há oito anos em São Paulo e durante este período visitou a mãe apenas uma vez. Esta mulher tem sinais de sofrimento na face e era nítida a vergonha que sentia de seu próprio cabelo. Ainda existem pessoas que associam beleza aos cabelos lisos.
Dona Ana arrumou a casa e deseja estar bonita para receber sua filha. Uma jovem de dezenove anos e que há oito trabalha como empregada doméstica, ou como babá. Uma moça que não vivenciou a infância e juventude, porque tinha que trabalhar para prover seu sustento.
Analisando a conversa da senhora com outras clientes, fiquei pensando em quantas mães estão perfumando a casa e se arrumando para receber seus filhos. Muitas mãinhas são dominadas pelos padrões impostos pela sociedade que as fazem se acharem feias por não terem um cabelo liso. Quantas mãezonas estão tristes em seus quartos, nos asilos, recordando natais lindos que vivenciaram com suas famílias, e hoje a alegria foi substituída por uma tristeza que machuca demasiadamente.
O Natal é antecedido por rituais de preparação. Prepara-se o espírito, uma tinta para dar vida às paredes da casa, enfeites espalhados, estoque de gostosuras nos armários, lista de presentes, amigo oculto, nostalgias, entre outras coisas. Nunca fui fã dessa festa que está tão, tão, tão capitalista. Olhe a exclusão que existe; mesas super fartas e outras tantas o vazio toma conta. E nesses tempos de crise, fartura é uma palavra que não fará parte do Natal de muitos.
Fizeram do Natal a festa do ter. As crianças repletas de roupas e brinquedos precisam ter o último lançamento tecnológico do momento e passaram o ano, ou melhor, alguns meses, porque enjoaram rapidamente de seus brinquedos, isolados do universo, mexendo em joguinhos. Quantas crianças apáticas por aí, quantos pais que querem amenizar a ausência com presentes caros. E a cada novo ano uma geração de crianças tristes e fúteis vai surgindo. Uma geração de egoístas também.
Dona Ana escovou seu cabelo para ficar arrumada e esperar sua filha. Dona Dite, não tem esperança que um de seus seis filhos apareça no asilo para visitá-la e não faz questão de escovar o cabelo. Dona Guida, chora há meses porque seu filho foi assassinado e ela carrega a dor de não receber mais um abraço de Tonzinho, seu menino que um dia saiu de casa com uns colegas e nunca mais voltou.
Dona Ana tinha pouco dinheiro para se produzir e ficar bonitona para recepcionar a filha na rodoviária. Ela é mais uma mãe que passou muitos natais sozinha, e este ano, a festa será diferente. Não sei se sua mesa estará farta no dia 25, mas captei que seu coração está em festa porque uma parte de si estará ao seu lado.
Para cada pessoa o Natal tem uma essência. Eu não sou fã desta festa e tenho inúmeros motivos que não abordarei por aqui. Uma parcela enorme da humanidade está enfrentando problemas sérios. Tantas crianças esperam por uma migalha de pão e outras estão dando seu último suspiro neste instante. Quantas pessoas desejam ter um almoço decente, uma roupa limpa que possa ser usada. Quantos pais estão tristes, pois não tem dinheiro para colocar o básico na mesa e tenho certeza que muitos deles devem estar chorando, porque desejaram ter condição de comprar um presente para seus filhos e infelizmente não deu.
Que no dia do Natal, possamos florir a vida de alguém. Não somente nesta data, mas em qualquer dia, ajude alguém que necessita de um abraço, sorriso, colo, uma comida, roupa, esteja disposto a colaborar com a felicidade dessas pessoas que não conhecemos, mas que estão subjugados em cada canto da cidade, a fome, ao calor, a chuva, ao isolamento e a miséria.
Naquela tarde, dona Ana que não sabia o que era uma escovinha e que não gostou do que sua colega de salão disse, ao afirmar que cabelo cacheado era bonito, me fez pensar, repensar e questionar sobre os estereótipos e os efeitos da “magia” do Natal sobre as pessoas. Espero que ela e sua filha possam ter bons momentos juntas, e um dia, entenda que não é necessário esconder seus cabelos crespos dentro de lenços, porque a beleza consiste na autoaceitação e valorização de como e quem somos.

Suerlange Ferraz

Nenhum comentário:

Postar um comentário