sexta-feira, 12 de agosto de 2016

As doenças que afetavam as crianças do interior








Durante uma viagem, acompanhada por duas amigas, ríamos ao recordar de como era sofrido ter algumas doenças na infância. Lembrávamos das impingens (impinjas), das cicatrizes enormes que marcavam nossas pernas devido às estripulias, dos piolhos que invadiam nossos cabelos e dos remédios que as mães usavam para amenizar os nossos sofrimentos.
Quantas crianças sofreram com a invasão de piolhos em suas cabeças? Sei que não foram poucas. E quantas sobreviveram ao terem suas cabecinhas mergulhadas no “bofo”, veneno usado para matar formigas? Centenas. Quantos relatos de coleguinhas que vivenciaram essa situação. Era um verdadeiro ranger dentes, quando a mãe jogava o produto no cabelo, colocava uma sacolinha e depois uma touca e ainda avisava “Se passar a mão na cabeça e depois coçar os olhos, já sabe, vai ficar cega!”, era um sofrimento sentir aquela batalha pela sobrevivência no couro cabeludo e não poder dar uma coçadinha para melhorar a agonia. Queridos, o escabim não tinha chegado ao interior e não pensem que a existência dessas criaturinhas era devido a falta de higiene, é que sempre aparecia um colega infestado e acabava transmitindo aquelas praguinhas para os companheiros de classe.
As impingens ou impinjas, em muitos casos, eram tratadas com pólvora e limão, e nada de passar próximo a um fogão, o medo daquele produto entrar em contato com o fogo e explodir era enorme. Os remédios caseiros era a salvação de muitos pais. Eram feitos com ingredientes super secretos, e caso os doentes descobrissem, a enfermidade poderia piorar.
Para aquelas crianças com “boqueira” nada que um pião roxo não solucionasse. Um cansaço sobrenatural era sintoma de mau olhado e uma boa benzedeira resolvia numa rapidez, a querida e saudosa dona Alvina me livrou de muitas espinhelas caídas e da mufina (cansaço, indisposição muita preguiça e desanimo). Segundo o relato de uma amiga, ela lembra que ao sentir dor no estômago, sua mainha a levava numa rezadeira e ela media a espinhela com uma linha, no antebraço e no ombro.
A caxumba ou a “papera/papeira” era outra doença terrível. Os pescoços pareciam paredes com reboque devido a tanta cinza ou casinha de João de Barro, precisávamos de ajuda dos pais para nos locomovermos. Eu fui vitimizada por esta doença. Passei dias enclausurada, assistindo desenhos e em repouso absoluto. Quando os colegas e os vizinhos sumiam por algum tempo, eu já imaginava que eles também estavam com os pescoços imobilizados. E ainda tinha os banhos com ervas medicinais.
Não tive catapora e sarampo. Sofri com quedas e levo marcas nas canelas, braços e joelhos de aventuras ao tentar subir no “pé de manga” ou “no pé de goiaba”. Março ou abril era tempo de saborear as seriguelas e os tombos estavam garantidos. Depois de algum tempo, fiquei medrosa e não me arriscava a subir em nenhuma árvore.
Voltar da escola após um dia chuvoso, brincar nas poças de água e não se importar com o resfriado ou com doenças e caso a gripe aparecesse, aquele xarope caseiro, bem docinho, era o melhor remédio. A vida era muito boa porque não existia tanta responsabilidade e as coisas prazerosas vinham da natureza.
Sempre acreditei que é muito prazeroso viver em cidades interioranas, a sensação é que a vida passa em um ritmo mais delicado, proveitoso e com vivências incríveis. As pessoas mais idosas são cheias de crenças, ainda é possível sair por aí pedalando e admirando o por do sol, conversar nas filas e fazer boas amizades. Lamento por saber que as crianças da contemporaneidade ficam presas em casas, reféns de jogos e celulares, e não saberão a emoção de ter uma espinhela levantada ou a alegria de chegar num topo de árvore para pegar a fruta desejada, muito menos, a felicidade de se alegrarem com as brincadeiras simples, mas que significavam muito nos anos que se passaram.
Suerlange Ferraz

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