quinta-feira, 28 de julho de 2016

Maldito racismo!


Se tem uma coisa que me causa mal estar é racismo, dói presenciar ou sentir em si a discriminação pelo fato da pele ser escura ou de ter um cabelo crespo; a dor aumenta quando é nítido que uma parcela da sociedade diz que o racismo é “mimimi” ou coisa de um povo ressentido.
Faz alguns dias que eu esperava por atendimento em uma clínica, mais uma vez machuquei o pezinho direito, mas isso não vem ao caso; enquanto lia uma revista, com o pé esticado em uma cadeira, escutava a conversa de dois senhores, ambos comentavam sobre uma matéria que acabara de ser exibida em um canal, o tema era preconceito racial no Brasil. Os senhores que possivelmente se consideravam “brancos” ou pardos, riam e comentavam que qualquer coisinha que se diz a um pretinho é crime; o outro, com um sorriso irônico, salientava que “ parece que ta no sangue, esse negócio do preto ser bandido”. Desejei não estar ali para escutar tanta bobagem e rezava para que eu fosse atendida o mais rápido possível.
Mas a minha prece não era atendida e um daqueles senhores me olhou e disse “o que aconteceu com o pé da morenhinha?” Eu, muito educadamente, disse "Sou negra e não morena! Caí a caminho do trabalho e machuquei o pé”, o senhor, com um certo espanto dizia que eu não era escura para ser negra e nesse exato momento ele deu uma brecha para eu me empolgar e explicar um pouco das raízes maléficas de racismo que estavam impregnada na fala dele e do colega. Comentei que não é ofensa ser chamada de negra, mas que ofensa maior é achar que a cor da pele define o caráter de alguém, e que a discriminação racial fere e muito. Acho que eles não estavam se importando com minha fala. A conversa foi rápida porque Deus atendeu minhas preces e, mancando, dei um tchau àqueles homens.
Passei o resto do dia refletindo a respeito da fala deles e de tudo que já escutei, presenciei e raramente senti na pele. Fiquei imaginando como eu reagiria se um dia, meu filho, que ainda não tenho, chegasse em casa chorando porque alguém o discriminou levando em consideração a sua cor ou cabelo.
Nunca precisei ser discriminada para defender os direitos dos meus irmãos de cor, identidade e cabelo. Sempre tive orgulho das minhas raízes e lamento quando vejo que o racismo é uma doença que se prolifera desde a infância. Muitos pais e alunos esnobam o ensino de cultura afro por achar que é algo desnecessário; assim como a sociedade reage ao feriado destinado a consciência negra e eu acho tão estranho quando as pessoas postam que deveríamos ter o dia da consciência humana. Peraí! Se somos humanos, a lógica é que fossemos todos conscientes de nosso atos e respeitássemos a diversidade, mas quando um negro é confundido com um bandido, as mulheres negras são as principais vítimas de estupro no país; nas universidades, o negro é minoria, assim como nos fundamentais I e II e no ensino médio; enquanto escutarmos piadinhas preconceituosas, discursos racistas ... Deveremos ter o dia da Consciência Negra.
Não sou uma negra ressentida! Sou uma sonhadora que deseja uma sociedade mais justa e menos maldosa para os que virão. Desejo que as negras não sejam vistas como mercadorias porque merecemos ser respeitadas, amadas e valorizadas. Anseio dias em que nossos cabelos não sejam motivo de riso ou que aquelas comparações horrorosas com esponja de aço, sujeira e feiúra seja abandonada. Poxa! O cabelo crespo é lindo! E o meu além de ser lindo, é super bem cuidado e cheiroso, não merece ser ofendido. Nós, negros, não merecemos as ofensas cotidianas! Estamos neste mundo para sermos respeitados, buscamos nossos espaços, desejamos e lutamos por transformações, lamentamos quando a mídia oculta os crimes que são cometidos a um negro neste país. Mas o que esperar a mídia brasileira? Particularmente, não espero muito! Ela sempre se preocupa com a classe dominante, e diz que enaltece a negra no carnaval, ao mostrar para o mundo que a beleza está em uma mulher nua que não para de sambar na tela da televisão e, assim, transmite a imagem de uma mercadoria. Sociedade, pare de achar que o racismo só existe na cabeça no negro porque não é bem assim. Ele está em todos os lugares e precisa ser combatido.
Os protagonistas de filmes raramente são negros: nas novelas, a cozinha é o destino das atrizes negras, falta projetos nas escolas com a temática que valorize e promova a autoestima dos considerados afrodescendentes; é necessário o extremo respeito as religiões de matrizes africanas, os negros estão escondidos nos livros didáticos e a sociedade procura meios para criar uma invisibilidade dos negros.
Não sei se estarei viva para presenciar as transformações que são desejadas por muitos, mas enquanto minha voz ecoar, não serei uma coadjuvante desta sociedade. Quero ser protagonista que luta por estações multicoloridas e dias em que eu não seja obrigada a discutir com alguém que menospreze minha cor. Sou negra, professora de história e não sou uma mercadoria.

Suerlange Ferraz

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