segunda-feira, 26 de junho de 2017

Poções, a minha, ou melhor, a nossa terra!




Meu lugarejo está situado pelas bandas do sudoeste baiano. Um lugar simples, aconchegante, que não diferente de outras localidades passa por tantos problemas, mas nunca deixará de ser amada por seus filhos. 
A minha terra tem gente que anda descalça pelas ruelas, que enfrenta os dissabores com um sorriso largo e com a fé arrebatadora. Nas portas de muitas casas, os vizinhos se reúnem para prosearem. Nos bares espalhados pelos bairros, os casos acompanhados de uma cachacinha invadem a madrugada. E na praça, todo dia é momento para contemplar os bons encontros. 
 Na praça encontramos o acarajé da Cristina, a tapioca, churros, o pipoqueiro, o churrasquinho, a voz do gaivota, o mudinho e suas estripulias e muita história. Passei longas tardes entre amigos, sentada na escadaria do Banco do Brasil, era prazeroso compartilhar a vida com os companheiros da escola. A voz do gaivota era a responsável pela trilha sonora e seu Tavinho ou Gerônimo, pelas pipocas. 
Quando estou viajando, sinto saudades do pãozinho caseiro da padaria que fica próximo a minha casa ou do pão de abóbora ou aipim de dona Nilza. Engraçado que o sabor ou o cheiro fica impregnado na memória. 
Por falar em sabor, me veio a lembrança de Miguel, rapazinho magrelo e baixo que eu encontrava durante as tardes na praça vendendo as deliciosas cocadas de dona Carminha. Minha infância e adolescência foi marcada por muitos sabores e a cocadinha traz saborosas recordações. 
Por aqui, a fé é tão presente. É um terço, um ramo, uma prece, é a água benta que cai sobre a cabeça dos fiéis, a água de cheiro que lava a praça na marcha do Dendê - é a fé em suas inúmeras representatividades. Das rezas, carurus, festa de Pentecostes, Marcha para Jesus, semana espírita... é de um tanto de manifestações religiosas leva a crer que poçoense é um povo de fé. Meu lugar não é industrializado, não tem universidades, passa por crise hídrica, tem altas taxas de desemprego e mesmo assim, eu, como muitos, continuo sentindo um bem querer danado pela terra do Divino. 
Durante os encontros com os amigos, costumo dizer que o o povo de Poções é ousado. É a ousadia que vem de ousar porque numa cidade em que as perspectivas de emprego são tão pequeninas, existem muitas criaturas que ousam a encarar os desafios de viajarem diariamente, em média quatro a cinco anos para ter acesso a Universidade. O que falar daqueles que romperam fronteiras e estão por aí, seja num mestrado,doutorado, escrevendo, cantando, nas construções, na docência acadêmica, nos consultórios médicos ou de advocacia, na sala de aula... em alguma cidade por aí, tem algum poçoense fazendo história. 
 Ah, você é baiana -É de Salvador? É a pergunta mais frequente quando estou viajando. Sempre respondia que a Bahia é maior do que a capital e que existem centenas de cidades e uma delas é Poções. Adoro falar para os novos conhecidos sobre a fase majestosa do time do Poções. Lógico que não deixo de falar sobre a Festa do Divino, do reisado, de Morrinhos, da feira, enfim, me empolgo falando da minha cidade. A partir de então, os coleguinhas aprendem que além de Salvador, existe também Poções, que fica localizada próximo Vitória da Conquista, popularmente conhecida como Suíça baiana.
 Em cada esquina da cidade, uma história. A cada filho da terra, o desejo de uma cidade mais cuidada e com mais oportunidades. A cada aniversário, alegria em ter nascido por aqui. Querida Poções, terra amada! Mais um aniversário e tantas lembranças tomam conta dos filhos desta terra e daqueles que a escolheram como lugar para morar. Desejo que a cidade prospere, que a fé prevaleça e que os sonhos sobrevivam. Feliz idade nova, terrinha amada!

Suerlange Ferraz

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Feira: colorido, multidão, cheiros e encontros




De madrugada, as barracas começam a ser montadas. As caixas são abertas e os melhores produtos são selecionados e expostos para atrair os consumidores. Aos poucos, o trânsito humano começa, e as pessoas são seduzidas pela qualidade, bons preços e a boa e eficaz propaganda.
As cores intensas da couve, o perfume das rosas na barraca de dona Ana, as bananas sem carbureto que seu Jaime vende,o vermelho intenso da “talhada” da melancia que enche os olhos e faz a boca salivar. E o que dizer do requeijão que brilha? Por um instante,esqueço as gordurinhas do mal que existem nele e me rendo à tentação de saboreá-lo.Cada barraca uma peculiaridade. Cada comerciante uma figura marcante nas manhãs de sábado.
As pessoas dividem espaços com as barracas, carrinhos de picolé, pamonhas, mingaus e lonas estendidas no caminho. Andar pela feira é dividir pequenos espaços com uma porção de gente, tentando se esquivar a todo momento das sacolas, embornais e se proteger dos pisões.
            Os moradores da zona rural acordam com o canto do galo. Alguns, caminham um bocadinho para conseguir um transporte e realizar suas compras, outros, vem vender seus produtos. O homem do campo costuma relatar a falta que a chuva faz no “sertão”, ou contam, com muita satisfação, que em sua região choveu até bastante e deu para juntar água no tanque.
É na feira que encontramos os “nutricionistas” que montam umas receitas em fração de segundos. A “rúcula boa para a visão”, afirma seu Antônio. Remédio para matar verme, eliminar o cansaço, o pano branco, fadiga, osteoporose... Você encontra na garrafada do elixir Leão do Norte, anunciava um senhor baixo, que aparentava ter uns setenta anos.
Dentro do mercadão, farinha, biscoitos, pubas fresquinhas, e o feijão ocupam cada metro quadrado. Açougues, restaurantes, barracas que vendem roupas utensílios, domésticos e especiarias complementam o Mercado Municipal de Poções. Ah! Incensos e material para banho é na barraca de seu Edson, e a poucos metros, encontra-se cestas, cofrinhos no formato de porco e botijão. Ainda é possível deparar com algum senhor comprando pedaço de fumo para fazer seus cigarrinhos.
Feira é contemplação do sagrado produzido pela mãe terra. É local de encontro dos meninos carregadores de compras e sonhos, dos meteorologistas e matemáticos, dos contadores de prosas, dos professores e dos alunos que vêm da zona rural e passam a manhã batalhando pelo sustento. As dificuldades não impedem as manifestações de generosidade e a todo momento somos agraciados com algumas bananas a mais, ou uns dois ou três ovos caipira de presente.
Como é delicioso fazer comprar ao ar livre, tocar nos alimentos e cheirá-los também. Conversar um pouco com os feirantes amigos e andar a passos lentos ao som emitido pelas caixinhas de som que estão distribuídas pela feira. Ainda consigo achar graça das pessoas que comem um punhado de farinha ou experimentam vários biscoitos antes de adquirir o produto. Os mais idosos arrancam tirinhas de bacalhau para sentir a qualidade ao comer, o que acho muito estranho.
Impossível não lembrar as figuras que são rotuladas como os “invisíveis da sociedade”. São aquelas pessoas que juntam uma graninha durante a semana, vão à feira, encontram um bar aberto, bebem excessivamente e posteriormente ficam caídos em calçadas, alguns, machucados. A feira reflete a divisão tão cruel de renda. Enquanto muitos lotam seus carrinhos de compras, outros tantos esperam o término da feira para catar a sobra dos legumes e verduras.
A feira de tantas contradições. Lugar sagrado,porque tudo que envolve alimento possui uma sacralidade. Templo de alegria para quem faz boas vendas e para os que conseguiram encontrar o que desejavam, principalmente, se o precinho for camarada. Depois das compras feitas, o melhor a fazer é tomar um caldo de cana bem gelado, comer um pastelzinho, sentar em um banco e ficar a observar minuciosamente a grandiosidade daquele momento. 
Suerlange Ferraz