quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Lala: mais uma empoderada no mundo







Em um pequeno vilarejo baiano vive Lala. Uma mulher negra, cabelo esvoaçantes, dona de uma oratória que transmite convicção e é mais uma sonhadora neste mundo. Com um pouco mais de trinta anos, ela não nega suas origens e sempre diz que os caminhos queriam que ela fosse submissa, mais uma semianalfabeta, porém as correntezas da vida a levou aonde muitos negros ainda lutam e outros já desistiram de estar, os caminhos da universidade.
Desde pequena, seus pais se esforçavam para que ela estudasse. Oriunda de escolas públicas, encarava os estudos com seriedade. Sofreu humilhações que é comum pobres e negros sofrerem neste mundo. Chorou, brincou, cresceu e muitos de seus sonhos infantis ainda estão dentro dela. A menina que se tornou mulher sempre acreditou que os sonhos jamais poderão morrer, pois, eles alimentam a alma.
Lala, não entendia o porquê de ser uma das poucas negras na turma e muito menos, quando Manuel, menino magrelo e negro, foi acusado de ter roubado uma caixa de lápis de cor que continha seis unidades de Louise. Era de causar estranheza, tudo que sumia na escola, o culpado era Neco, apelido do menino. Ele negava as acusações, chorava e por muitas vezes ouvia que era da corzinha o extinto de roubar. O menino desistiu de estudar e os roubos continuaram até descobrir que o furtador era um garoto claro e que estudava em outra turma.
Cabelo esponja de aço, tifuti, rolo de fumo, saci pererê, macaco; se fosse filho de santo, era o macumbeiro, feiticeiro e todos tinham medo; se aparecesse algum colega com piolho, com certeza tinha vindo da cabeça de algum negrinho da escola; se sumisse algo na sala, era um neguinho o furtador. E assim, desde a infância, Lala, soube que há uma dolorosa desigualdade neste país. Para ela, nunca foi fácil ter acesso ao que há de melhor, e ainda carrega consigo os desafios de ser mulher e negra em uma sociedade elitista, desigual, racista, machista e em que, se contar a história de luta e sofrimento de um povo vítima de escravidão, humilhação, dor e entre outras coisas é tido como vitimismo ou um tal de mimimi.
Lala, diferentemente de muitas colegas negras, conseguiu bolsa em um cursinho pré-vestibular, dava aula de reforço para conseguir alguns trocadinhos no final do mês e estudou muito. Foi aprovada em seu segundo vestibular, ingressou em uma universidade e passou quase cinco anos saboreando conhecimentos e poucos como ela, mulher e negra, ocupavam um espaço acadêmico, mas ela seguia seus caminhos, sempre com sede em beber de novas fontes e de ser mais uma Maria a conquistar um espacinho porque ela não veio ao mundo para pregar vitimismo, ela é empoderada e sabe que o seu lugar é onde ela deseja estar, mesmo quando racistas dizem que não, ela e tantos negros, vão e fazem diferente.
Ocupar lugares, fazer com que a voz dos que foram silenciados pela opressão ecoe, levar conhecimentos e compartilhar a vida com seus alunos, embarcar em viagens, escrever novas estórias a cada dia, se tornar exemplo para a aluna que sempre desejou assumir  o cabelo crespo. Lala continua sabendo que é a minoria nos espaços em que frequenta, que seu estilo não é considerado padrão de beleza para muitos, que o racismo é massacrante e ela ainda sente as dores do preconceito. Já riram de seu cabelo, ela escuta que cotas raciais comprova a inferioridade do negro e que os mesmos são sensacionais – na cozinha ou no samba, mas quem profere isso com tamanha maledicência, não sabe, ou melhor, não quer assumir que o negro é sensacional em qualquer cargo que ocupe.
Apesar de viver em um mundo cruel, com oportunidades para poucos e dor para muitos.  Um lugar em que se classifica o valor das pessoas através do padrão financeiro e étnico, Lala é mais uma mulher guerreira que mostra a cada amanhecer que não veio para ser coadjuvante de uma história, ela sabe quem é, de onde veio e assim, como seus irmãos negros, deseja que as oportunidades sejam iguais e principalmente, que o respeito impere. Ela não vive esse tal de vitimismo, gosta de sambar, de viajar e não foge de uma discussão porque entende que diante de tamanha exclusão, intolerância, machismo – não se deve calar.

Suerlange Ferraz

Um comentário:

  1. Excelente reflexão, acompanhada de uma leveza nas palavras que contam a realidade de nosso país.

    ResponderExcluir