Quando
cai uma gota d’água no chão, o sertanejo faz festa. Durante duas quartas-feiras
choveu em Poções. A formação da chuva, o cheiro de terra molhada, a escuridão
do céu e a agitação do povo é sinal que a qualquer momento as águas se desprenderão
do céu e lavará as ruas da cidade.
A
chuva devolve a alegria ao homem do campo. É hora das formigas de asas fazerem
visitas às casas, e de tanques, rios e barragens encherem. Época para abrir as
covas e fazer plantações. Os milhos já apareceram na feira, às hortaliças estão
verdes e mais saborosas, as noites mais calmas, devido aos barulhos que a chuva
faz ao cair sobre o telhado. O pé de seriguela do meu quintal está carregado, as
frutinhas já estão crescidas e o verde das folhas se mistura com as pequeninas
flores vermelhas. As romãs estão grandes. Pelo muro vejo a mangueira no quintal
da vizinha, está atulhada e as mangas aparentam ficar enormes e suculentas.
Tão
necessário é ter leveza na vida. As noites chuvosas, doces e adoráveis
companhias de uma criatura que convive com a insônia e vê a vida passar
ansiosamente, sempre me traz ensinamentos. Tenho aprendido que a felicidade é
algo simples, ela pode estar presente em uma conversa na casa de uma amiga,
acompanhada de um café e uma espiga de milho cozido; ou, na rua, vendo
estrelas, abraçando a vida e trocando palavras com quem nos faz bem. Aliás, ela
pode marcar presença em qualquer lugar em que o coração se sinta bem e
aconchegado.
As
águas limpam as ruas. É tempo de limpar o coração, o guarda-roupa, a casa e os
pensamentos. Tempo de ser leve, de entender que excesso de vestimentas não é
sinônimo de felicidade. Momento de desintoxicar o coração, este lugarzinho por
onde passa diversos sentimentos e têm dias que ele pesa e dói. Para alguns
escritores ele até sangra quando está sofrendo. A cabecinha também necessita de
cuidados, ela que gira igual à roda gigante, precisa de manutenção para
funcionar direito.
A
chuva me acalma igual às canções de Oswaldo Montenegro. Ela me nina e faz com
que eu durma tranquilamente. Traz alegria para a vegetação. Veja o quão transformadora ela é! Em questão de dias o que eram
galhos secos sai de cena, dando espaço para plantas verdinhas e estradas
floridas. As lavadoras de roupa entoam seus cantos próximo aos pequenos rios, e
os pássaros dançam no céu.
É
tempo das águas, tempo de retirar os excessos e purificar a alma, tempo de se alegrar
com o pingo d’água igual ao homem do campo e, se possível, brincar embaixo da
chuva ou olhar as águas correndo na rua através da janela. Se por ventura
faltar luz, acenda uma vela. Coloque-a na sala, sente-se no sofá ao lado da
família e proseie.
Coisa
mágica é a chuva! Alegra o pobre e o rico, promove reflexões, causa preocupações
aos mais carentes e reúne a família. Momento em que a percepção dos sentidos é
aguçada e atitudes simples como olhar para o céu, sentir o vento bagunçar o
cabelo e a água molhar o rosto acabam se tornando as sensações mais gostosas que
alguém pode sentir.
Suerlange Ferraz
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