quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Tempos das águas




Quando cai uma gota d’água no chão, o sertanejo faz festa. Durante duas quartas-feiras choveu em Poções. A formação da chuva, o cheiro de terra molhada, a escuridão do céu e a agitação do povo é sinal que a qualquer momento as águas se desprenderão do céu e lavará as ruas da cidade.
A chuva devolve a alegria ao homem do campo. É hora das formigas de asas fazerem visitas às casas, e de tanques, rios e barragens encherem. Época para abrir as covas e fazer plantações. Os milhos já apareceram na feira, às hortaliças estão verdes e mais saborosas, as noites mais calmas, devido aos barulhos que a chuva faz ao cair sobre o telhado. O pé de seriguela do meu quintal está carregado, as frutinhas já estão crescidas e o verde das folhas se mistura com as pequeninas flores vermelhas. As romãs estão grandes. Pelo muro vejo a mangueira no quintal da vizinha, está atulhada e as mangas aparentam ficar enormes e suculentas.
Tão necessário é ter leveza na vida. As noites chuvosas, doces e adoráveis companhias de uma criatura que convive com a insônia e vê a vida passar ansiosamente, sempre me traz ensinamentos. Tenho aprendido que a felicidade é algo simples, ela pode estar presente em uma conversa na casa de uma amiga, acompanhada de um café e uma espiga de milho cozido; ou, na rua, vendo estrelas, abraçando a vida e trocando palavras com quem nos faz bem. Aliás, ela pode marcar presença em qualquer lugar em que o coração se sinta bem e aconchegado.
As águas limpam as ruas. É tempo de limpar o coração, o guarda-roupa, a casa e os pensamentos. Tempo de ser leve, de entender que excesso de vestimentas não é sinônimo de felicidade. Momento de desintoxicar o coração, este lugarzinho por onde passa diversos sentimentos e têm dias que ele pesa e dói. Para alguns escritores ele até sangra quando está sofrendo. A cabecinha também necessita de cuidados, ela que gira igual à roda gigante, precisa de manutenção para funcionar direito.
A chuva me acalma igual às canções de Oswaldo Montenegro. Ela me nina e faz com que eu durma tranquilamente. Traz alegria para a vegetação. Veja o quão transformadora ela é! Em questão de dias o que eram galhos secos sai de cena, dando espaço para plantas verdinhas e estradas floridas. As lavadoras de roupa entoam seus cantos próximo aos pequenos rios, e os pássaros dançam no céu.
É tempo das águas, tempo de retirar os excessos e purificar a alma, tempo de se alegrar com o pingo d’água igual ao homem do campo e, se possível, brincar embaixo da chuva ou olhar as águas correndo na rua através da janela. Se por ventura faltar luz, acenda uma vela. Coloque-a na sala, sente-se no sofá ao lado da família e proseie.
Coisa mágica é a chuva! Alegra o pobre e o rico, promove reflexões, causa preocupações aos mais carentes e reúne a família. Momento em que a percepção dos sentidos é aguçada e atitudes simples como olhar para o céu, sentir o vento bagunçar o cabelo e a água molhar o rosto acabam se tornando as sensações mais gostosas que alguém pode sentir. 
Suerlange Ferraz

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