Voltava do trabalho e parei defronte a
uma casa para esperar a chuva passar. Era tardezinha e fiquei por ali por mais
ou menos quinze minutos. Enquanto a chuva caía, eu pensava como a vida
é um sopro que pode passar velozmente ou a passos curtos. Assim a morte chega, como
uma visita indesejada, levando com ela toda uma expectativa de alegrias,
desejos e pretensões.
Pus-me a pensar em tantas coisas que não
fiz e pelas incontáveis desculpas patéticas que já dei para não ir a algum
lugar; dos medos que já roubaram o desejo de aventuras; dos nãos que a vida me
deu; do conformismo; dos amigos que já não vejo; das palavras que não foram
ditas na hora exata, enfim, me veio uma chuva de recordações.
Com os pingos d’água que lavavam a rua,
recordei-me do tempo em que a felicidade custava um doce do Zorro, uma
rosquinha, banana frita com um punhado de açúcar e canela, um pedaço de manga
verde com sal ou brincar na chuva.
Muitos chinelos se foram, as mini enxurradas carregara-os.
Quantas quedas da goiabeira, e no joelho, marcas eternas; na memória, doces
lembranças. Um tempo em que a única preocupação era tirar boas notas e o medo
era dos seres horripilantes que vagavam pela rua durante a madrugada,
principalmente do fantasma do apito, que nada mais era do que um guarda que
vigiava a rua.
Quando nos tornamos adultos, as
responsabilidades e os medos são outros. A competição não é mais saber quem
ganhou o “stops”, ou venceu um cabo de aço, ou chegou mais vezes ao céu da
amarelinha. Hoje, os desafios são mais densos, e o que me rouba o sono, não é a
prova de matemática, mas as inquietações provocadas pela intolerância
cotidiana. Já passei horas contando os carneirinhos para o danado do sono chegar.
Demorava um pouquinho, mas chegava. No presente, a contagem parou de funcionar,
acho que as aflições não me permitem fazê-la.
O tempo vai voando e as ambições também.
Você vive sendo cobrado, procura perfeições, sofre com tantas formas de
preconceito, sente suas dores e as dores dos outros, sonha, faz uma montanha de
planos, junta moedas na latinha ou no porquinho, planeja fazer inúmeras
viagens, pois o futuro é a prioridade. Sempre achamos que temos muito tempo,
mas nem sempre é assim, porque um dia um sopro vem e te leva.
Por que perdemos a ternura infantil? Por
que complicamos a vida? Por que é mais cômodo ser uma “Maria vai com as outras”
do que defender suas ideologias? Por que os dias estão tão cinzas e pesadelos
estão surgindo? Por que o país parou diante de um caos? Vivo em um mundo de
infinitos porquês e nem sempre encontro respostas para as minhas inquietações.
Os dias passam e passamos correndo por
alguém que necessitava de pelo menos um bom dia. O egoísmo rouba a
sensibilidade, compaixão e afeto parecem palavras excluídas da vida de tantos. No
ciclo de competições, é ensinado que o melhor é quem ocupa os melhores cargos,
recebem salários magníficos e é superior. Nunca almejei ter fortunas, sempre
quis ter um salário que desse para comprar o que eu gosto, viajar e ser feliz com aquilo que o meu trabalho me
proporcionar. Um aluno me disse que meu pensamento é pobre e eu ri, porque
carrego comigo a certeza de que possuo mais riquezas do que uma grande parcela
da humanidade, e que ter um teto, uma cama e cobertores, para muitos, já é algo
valioso.
A chuva passou e volto para meu lar.
Trago a certeza de que não vivo da melhor forma, que deixo a vida passar por
mim ao invés de eu passar por ela. Que longas conversas,
abraços calorosos, pensamentos carregados de otimismo, sonhos, lutas,
aconchego, versos, boas músicas, floresçam em minha existência.
Vivamos!Deste atravessar de dias,devemos
deixar boas lembranças, e enquanto estivermos por aqui, que sejamos sol ou lua
para alumiar o caminhar de alguém. Que possamos ser gente que faz bem ter por
perto e saibamos distribuir carinho, afeto e amizade. Apesar das tempestades,
grata sou pelos tantos pores do sol que já passaram por mim e pelas estrelas
que vigiaram meu sono.
Com a certeza de que nada é em vão,
seguirei acreditando que sou mais um barquinho procurando um destino neste
mundo, sendo soprado pelos ventos que me levarão a um porto seguro.
Su Ferraz
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