sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Pedrinho, o picolé e o amor




Pedrinho, o picolé e o amor

Olha o picolé! Só custa R$1,00! Vai um aí? E entoando essas frases, Pedro passa manhã empurrando seu carrinho com picolés por algumas ruas do centro da cidade.
Pedrinho, como é chamado, tem onze anos, negro, baixinho, tagarela, mora em um bairro periférico da cidade e estuda a tarde. O menino desperta muito cedo. Todos os dias às 05h30min está de pé. Quando acorda não encontra mais a mãe em casa, porque ela já havia partido para o trabalho, mas sempre encontra o café fresquinho e bolachas, raras vezes tem pão sobre a mesa.
Dona Lourdes, a mãe de Pedrinho, tem mais quatros filhos. Guinho, o mais velho, faleceu aos 16 anos e se estivesse vivo já teria 25. Foi vítima de bala perdida enquanto entregava pizza em um bairro de São Paulo. Marta tem 23 anos e Ana 22 anos, ambas partiram rumo a capital paulista para tentarem uma vida melhor, a primeira trabalha em um escritório, e a segunda, na casa de um importante médico da cidade de Esmaltina. Seu Jeremias, esposo de Lourdes, saiu de casa quando Pedro tinha apenas dois anos, partiu para o sul do país atrás de trabalho e nunca mais voltou. A única coisa que enviou à família foi uma carta em que dizia ter encontrado uma companheira, estava bem e amava os filhos.
Com a dor do abandono, dona Lourdes via em seus filhos motivos para ter esperanças. Ela chorou durante anos pelo companheiro que se foi e todas as noites derrama lágrimas pela partida prematura do filho. Para garantir o sustento da família, ela pegava trouxas de roupa para lavar, dava faxina em casa, fazia cocadas para que suas filhas pudessem vender no portão da escola do bairro, catava algumas latinhas de alumínio em festas e faz mais de dois anos que trabalha na casa da família Amarilis.
A mãe de Pedro trabalha das 6:00 até às 15: 00 hs, de segunda à sexta e ganha R$ 850,00. Lava, passa, cozinha, faxina, limpa a casinha dos cinco cachorros da família e sempre está escondida nos últimos cômodos da casa. Faz alguns dias que ouviu a sogra de sua patroa dizer que, realmente o lugar de negro é na cozinha, ao comentar que seu sobrinho neto estava na fase de aderir à moda e resolveu afrontar a família ao namorar com uma pretinha do cabelo ruim. Lourdes se recolhia em pensamentos e recordava de quão humilhada foi ao sofrer preconceito racial na infância e adolescência. Quando seu marido foi embora, algumas vizinhas mexeriqueiras a apelidaram de a “neguinha que o marido não quis”.
Não existe um só dia em que ela não se preocupe com o filho. Tem medo que Pedro sofra com a exclusão do mundo e fosse infeliz. Pedrinho vende picolés para ajudar na renda familiar, tem dificuldade de aprendizagem e lê com muita dificuldade, mas sabe fazer cálculos, fato que o ajuda nas vendas. O garoto tem uma mega disposição para conversar durante as aulas. Descobriu estar apaixonado por uma colega cujo apelido é Cacau, mas ela o menospreza por causa de sua cor.
Esse negócio de amor platônico deixa o coração mais sensível e ferido quando a pessoa que queríamos que habitasse dentro dele o esnoba. Pedro sabe que Cacau não quer nem ao menos sua amizade, por ele ser pobre e negro, entretanto mesmo sendo rejeitado ele procurava ser gentil com a coleguinha. Foram incontáveis as vezes que Pedrinho gastava o pouco que ganhara em uma manhã exaustiva de vendas, para comprar doces para a menina que o encantava. Ela recebia o mimo e com ar de superioridade o agradecia.
Pedrinho têm olhos graúdos e um bom coração. Sabe que o amor por Cacau dificilmente seria correspondido, ele é zombado por causa de suas roupas que às vezes apresenta furinhos ou são remendadas. A menina rir das sandálias, maiores que os pés do colega, e o pobre garoto guarda as lágrimas para molhar seu travesseiro a noite; além de passar horas pensando se algum dia viveria um amor correspondido, mesmo sendo pobre e negro. Cacau destroçava aquele coração carente, não por não amá-lo, e sim por esnobá-lo por sua cor e condição social.
Pedrinho e Dona Lourdes, dois sobreviventes das dores que aparecem pelo destino. Uma batalhadora, o outro, um pequeno vendedor que nutre o sentimento por uma menina que o despreza. Uma mãe que sonha em ver pelo menos um de seus filhos com diploma, e o menino que deseja casar, ter dois filhos, ficar rico para ajudar os necessitados. Duas das tantas vítimas de preconceitos espalhados por aí. Afinal, ser da periferia e negro neste país é saber lidar com a labuta e buscar construir o seu espaço arduamente neste mundo tão desigual.

Suerlange Ferraz

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