Em
um pequeno vilarejo baiano vive Lala. Uma mulher negra, cabelo esvoaçantes,
dona de uma oratória que transmite convicção e é mais uma sonhadora neste
mundo. Com um pouco mais de trinta anos, ela não nega suas origens e sempre diz
que os caminhos queriam que ela fosse submissa, mais uma semianalfabeta, porém
as correntezas da vida a levou aonde muitos negros ainda lutam e outros já
desistiram de estar, os caminhos da universidade.
Desde
pequena, seus pais se esforçavam para que ela estudasse. Oriunda de escolas
públicas, encarava os estudos com seriedade. Sofreu humilhações que é comum
pobres e negros sofrerem neste mundo. Chorou, brincou, cresceu e muitos de seus
sonhos infantis ainda estão dentro dela. A menina que se tornou mulher sempre
acreditou que os sonhos jamais poderão morrer, pois, eles alimentam a alma.
Lala,
não entendia o porquê de ser uma das poucas negras na turma e muito menos,
quando Manuel, menino magrelo e negro, foi acusado de ter roubado uma caixa de
lápis de cor que continha seis unidades de Louise. Era de causar estranheza,
tudo que sumia na escola, o culpado era Neco, apelido do menino. Ele negava as
acusações, chorava e por muitas vezes ouvia que era da corzinha o extinto de
roubar. O menino desistiu de estudar e os roubos continuaram até descobrir que
o furtador era um garoto claro e que estudava em outra turma.
Cabelo
esponja de aço, tifuti, rolo de fumo, saci pererê, macaco; se fosse filho de
santo, era o macumbeiro, feiticeiro e todos tinham medo; se aparecesse algum
colega com piolho, com certeza tinha vindo da cabeça de algum negrinho da
escola; se sumisse algo na sala, era um neguinho o furtador. E assim, desde a
infância, Lala, soube que há uma dolorosa desigualdade neste país. Para ela, nunca
foi fácil ter acesso ao que há de melhor, e ainda carrega consigo os desafios
de ser mulher e negra em uma sociedade elitista, desigual, racista, machista e
em que, se contar a história de luta e sofrimento de um povo vítima de
escravidão, humilhação, dor e entre outras coisas é tido como vitimismo ou um
tal de mimimi.
Lala,
diferentemente de muitas colegas negras, conseguiu bolsa em um cursinho pré-vestibular,
dava aula de reforço para conseguir alguns trocadinhos no final do mês e
estudou muito. Foi aprovada em seu segundo vestibular, ingressou em uma
universidade e passou quase cinco anos saboreando conhecimentos e poucos como
ela, mulher e negra, ocupavam um espaço acadêmico, mas ela seguia seus
caminhos, sempre com sede em beber de novas fontes e de ser mais uma Maria a
conquistar um espacinho porque ela não veio ao mundo para pregar vitimismo, ela
é empoderada e sabe que o seu lugar é onde ela deseja estar, mesmo quando
racistas dizem que não, ela e tantos negros, vão e fazem diferente.
Ocupar
lugares, fazer com que a voz dos que foram silenciados pela opressão ecoe,
levar conhecimentos e compartilhar a vida com seus alunos, embarcar em viagens,
escrever novas estórias a cada dia, se tornar exemplo para a aluna que sempre desejou
assumir o cabelo crespo. Lala continua
sabendo que é a minoria nos espaços em que frequenta, que seu estilo não é
considerado padrão de beleza para muitos, que o racismo é massacrante e ela
ainda sente as dores do preconceito. Já riram de seu cabelo, ela escuta que
cotas raciais comprova a inferioridade do negro e que os mesmos são
sensacionais – na cozinha ou no samba, mas quem profere isso com tamanha
maledicência, não sabe, ou melhor, não quer assumir que o negro é sensacional
em qualquer cargo que ocupe.
Apesar
de viver em um mundo cruel, com oportunidades para poucos e dor para
muitos. Um lugar em que se classifica o
valor das pessoas através do padrão financeiro e étnico, Lala é mais uma mulher
guerreira que mostra a cada amanhecer que não veio para ser coadjuvante de uma
história, ela sabe quem é, de onde veio e assim, como seus irmãos negros,
deseja que as oportunidades sejam iguais e principalmente, que o respeito
impere. Ela não vive esse tal de vitimismo, gosta de sambar, de viajar e não
foge de uma discussão porque entende que diante de tamanha exclusão,
intolerância, machismo – não se deve calar.
Suerlange Ferraz