segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Avós, aqueles que teciam meus sonhos


Tive o privilegio de conviver muitos anos na presença de meus avós. Minha vó paterna morava do lado da minha casa, era uma senhora gorda, religiosa e desde que me entendo por gente, ela nunca enxergou, mas tinha uma sensibilidade impressionante. Quando ela estava sentada em seu banquinho, no quintal, sempre sabia quando alguém estava pegando tangerina ou entrando de fininho para pegar um punhado de sal para poder comer com seriguela ou goiaba verde.
Gostava de passar a tarde naquela sala antiga, olhando o movimento da janela e ouvindo seus casos. Foram tantas histórias que ela me contava. Sempre que passo por alguma comunidade rural, lembro dela a me contar sobre as lavadeiras e os produtos caseiros que usavam para deixar as roupas bem limpas. Com minha avó descobri a magia da Festa do divino. É que durante muito tempo ela e a família costuravam as bandeiras usadas na chegada da bandeira. O contato com Nossa Senhora foi através de uma das tantas ladainhas em sua casa. Cresci ouvindo as pessoas falarem “você é neta de dona Filhinha, aquela dos presépios lindos na rua de Conquista?” sim,eu sou!
Meu avô materno era um homem simples, morava em uma zona rural próximo a Boa Nova. Frequentava sua casa poucas vezes por ano e sempre que chegava por lá a cena se repetia. Ele sempre estava descalço, usava calça, camisa e um boné. Estava encostado a beira de uma cancela a espera da filha e netas. Com o passar dos anos, ele ficou um pouco corcunda, mas era um agricultor ativo. Em sua casa ainda não chegou a energia e sempre dormíamos cedo. Um candeeiro acesso garantia a iluminação e um rádio a bateria nos mantinha informados. Assim como vó, ele contava muitas estórias. Deus! Quantos medos eu tive por causa das histórias de defuntos daquela região. Era cada caso horripilante e que minha imaginação sofria ao reproduzir tantos casos.
A religiosidade sempre esteve presente na vida da minha avó. A devoção a Nossa Senhora e ao Divino. Seus presépios eram lindos e ela ficava brava quando alguém mexia na prainha de seu presépio. Adorava usar tranças, nunca ficava sem suas pequenas argolas e seus anéis.
Na roça, no período das chuvas, o que faz muitos anos, tudo era verdinho. Os pequenos rios eram cheios e eu ficava sentada em uma porção de terra que o povo da região apelidava de “mulundu”. Não era muito alto e tinha uma minúscula árvore e de lá dava para observar o movimento. Adorava olhar as mulheres com latas em suas cabeças. Ficava impressionada com o equilíbrio delas. O ferro a brasa era uma das coisas que eu mais amava olhar. Achava um mistério aquele negócio pesado e quente desamassar uma roupa.
Na casa de vovô, o galo era o despertador. O cheirinho do café feito no fogão a lenha tem um cheiro especial. Adorava comer um pedaço de requeijão que ficava dentro de um pote de farinha e mãe me dizia que estava ali para a gordura fosse sugada. Tomava café em xícara de alumínio e sempre queimava minha boca, mas aquele objeto tinha um toque especial assim como a água geladinha do pote de barro.
No dia de regressar para minha casa, vô Zé colocava a cangaia com leite, frutas, feijão, ovos e doce para minha mãe trazer para nossa casa em um jegue. Acordávamos de madrugada e andávamos um pouquinho até o ponto onde passava o transporte.
Lembre-me de quando eu tinha em média sete anos e chovia muito onde a família da minha mãe mora. Era dia de voltar para casa e tive que passar por uma ponte que fica por cima do”ribeirão”. A força das águas era incrível, hoje o local não tem mais água para a tristeza dos sertanejos.
Meus avós já partiram. A correria da vida não permitiu que eu desfrutasse mais da companhia deles, mas os momentos vividos sempre me trazem uma lembrança que me faz lembrar como foi bom tê-los em minha vida.
Minha avó nunca fez um bolinho de chuva, um bolo ou esquentou leite para eu tomar antes de dormir porque ela não enxergava, mas suas palavras alimentavam minha imaginação e eu viajava em suas falas.
Meu avô era reservado e eu quase não conversava com ele, mas suas atitudes para me agradar era sua maneira de demonstrar o amor por mim. Eu sempre gostei de umbu verde e ele sempre deixava os meus frutos separados assim como a fruta “qualhada”, a minha sempre estava reservada para eu comer com açúcar. É aquele amor que não foi dito e sim sentido.
Os avós alimentam nossos sonhos, tem um amor mais doce e seus colos o aconchego é tão presente. O olhar de felicidade com a presença dos netinhos não esconde a felicidade por tê-los por ali, bem pertinho deles. Infelizmente, a vida me reservou a tristeza de estar presente na partida de ambos. E os meus contadores de histórias sempre serão lembrados porque os amores nunca partem, permanecem na gente.

Suerlange Ferraz

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Para que tanto ódio?


Da cozinha, olho minhas cachorrinhas brigarem, foi uma coisa rápida e em instantes elas já estão de boa. Uma deitou sobre a barriga da outra e dormiram. Diante daquela cena, fiquei pensando no ódio que os homens carregam e fazem questão de exibir nas redes sociais. Juram vingança por pequenos desentendimentos, destilam veneno gratuitamente, torcem pela morte de alguém ou matam pobres animais indefesos.
Nos últimos dias, muito tenho lido sobre este sentimento que adoece a sociedade, pois precisava compreender o que levou algumas pessoas a comemorarem a morte de uma mulher, apenas porque odeiam o viúvo e o partido no qual ele milita. Observar tamanha manifestação de odiosidade nas redes sociais foi estranho e me causou medo. Bateu uma tristeza por saber que minhas cachorras, que são consideradas animais irracionais, brigam e se perdoam, e os tidos “seres racionais”, ao invés de amor e perdão, estão tentando ensinar a conjugar o verbo odiar em várias esferas.
A sociedade está doente? Creio que sim. Vejo crianças que retribuem a ofensa do colega com tapas e ainda dizem “meu pai disse que é assim, se bateu ou xingou, eu tenho que fazer a mesma coisa”. Um cachorro que está deitado em frente a um comércio é surrado e tem uma de suas patinhas quebradas; um ex aluno foi espancado porque é homossexual e um dos vizinhos acha que o jovem é doente e merecia uma surra, e assim foi feito. O rapaz teve três dentes quebrados por causa da intolerância; Ana foi espancada pelo marido e algumas vizinhas cochichavam que ela mereceu porque quando o esposo chegou em casa, a mulher estava conversando com o leiteiro e vestida com um “toco” de roupa e isso não é coisa de mulher “direita”. Dona Dil comenta com a colega “Deus que me perdoe, mas quando alguém me diz que mora na periferia, misericórdia, morro de medo, praticamente todos são bandidos ou parentes de um”. Tanta gente é contra pena de morte, porque é adepto de uma religião, mas vai para o Facebook curtir ou postar frases fazendo apologia a tal prática. Os exemplos de hipocrisia e estupidez são tantos, que eu poderia passar horas relatando fatos observados no cotidiano.
Estamos vivendo uma era em que muitos têm discursos lindos e práticas horríveis, outros, são abomináveis tanto na teoria quanto na prática. Nossa sociedade passa por um processo de inversão de valores. Sinto que pessoas com bons sentimentos e atitudes nobres estão ficando escassas, ou preferem se omitir por medo das maldades. Os diálogos saudáveis e produtivos são raros, o bullying fere a alma e leva milhares ao suicídio, a religião virou um comércio para os muitos “profetas” do momento.
Tem sido difícil crer em uma humanidade melhor. É triste saber que fotos de pessoas doentes viram memes, e que apesar do avanço tecnocientífico pelo qual passa a humanidade, ainda nos deparamos com pessoas que avaliam alguém pela cor. Os “poderosos” viraram as costas para os miseráveis que vivem nas vielas das cidades. Um monte de desonestos que se tornaram políticos roubaram a esperança de muita gente em um futuro melhor nessa área. Parece que ser corrupto é um lindo adjetivo, e tantos dizem por aí “se eu fosse político roubaria igual a eles”. Poxa! O mundo ficou tão estranho e têm pessoas se esforçando para que ele piore.
Uma sociedade doente enfraquece os sonhos. O ódio adoece as pessoas, a falta de respeito torna-se guerra, a intolerância mata, a falta de boas discussões deixa o intelecto pobre, e quando privamos nosso corpo de bons sentimentos, ele morre aos poucos a cada amanhecer. Não deveríamos defender os bandidos que nos roubam todos os dias, devemos lutar por tantos direitos que estão nos tirando na calada da madrugada.
Para que tanto ódio? Essa doença tão mortal. Ando nostálgica e sinto saudades da compaixão, fé, solidariedade e acima de tudo, o respeito.

suerlange Ferraz